quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Joca

"Era muita ingratidão" pensava enquanto caminhava pelas ruas agitadas, chutando o chão, revoltada com os últimos acontecimentos.
Ninguém valorizava suas ideias, seu intelecto e agora, como se não bastasse ter sido quase demitida, tinha levado um pé na bunda daquele arquiteto mal resolvido e descobrira que a amiga estava trocando whatsapp com ele.
Queria ver todos eles amarrados juntos, a beira de um vulcão, onde ela, rainha dos Maias, os sacrificaria em prol da sua paz de espírito. Ele, ela, o chefe, as amigas falsas, todo mundo. Ninguém prestava naquela cidade ordinária, todo mundo era ruim. Enquanto resmungava por dentro, teve a atenção tomada por um vuco-vuco no sinaleiro mais próximo.
Carros desviavam de um pobre vira-lata, ainda pequeno, que muito perdido, estava na iminência de morrer atropelado pelo próximo desavisado que não percebesse o cachorrinho no meio da rua.
Como se sua vida dependesse daquilo, jogou os cadernos e a bolsa no chão e correu na direção do pequenino.
Sentiu o calor da moto passar pelas costas, as buzinas e os motoristas que se agitavam gritando "sai daí, sua maluca!".  Havia acabado de alcançar o cãozinho, quando um Fiesta veio em sua direção. Agarrou-se ao pequeno vira-lata enquanto murmurava suas últimas palavras, "Eu te amo, Joca!".
A rua toda ouviu os freios, enquanto ela, agarrada na nova razão de sua vida, fechava os olhos evitando ver a colisão evidente de seu corpo com o Fiesta ensandecido.
Um multidão se fez em volta dela. O motorista desceu do Fiesta, com belo sotaque paulista que tinha, gritando.
- Você tá maluca, garota?
Ela abriu os olhos e viu aquele monte de gente em volta dela, o cãozinho no seu colo, com o coração mais acelerado que o seu e o seu quase assassino, como assim pensou, na sua frente.
Levantou-se com a ajuda dele que perguntava a todo tempo se ela estava bem.
- Entra no meu carro, vou levar você num hospital.
- Pode ser um hospital veterinário?
Ele olhou pro cãozinho no colo dela e disse.
- Claro, vai, entra logo que tá todo mundo buzinando.
Ela recolheu as coisas com a ajuda de um estranho e entrou no carro dele.
- O que aconteceu, seu cachorrinho fugiu?
- Não. Ele tava perdido no sinaleiro, ia ser atropelado e eu fui salvá-lo.
Ele sorriu.
- Então você é dessas malucas protetoras dos animais?
- Não. - ela franziu o cenho - Eu só me apaixonei pelo Joca, foi amor a primeira vista.
- Amor a primeira vista... Você acredita nessas coisas?
- Claro!
- Que bom.
Foram até o hospital veterinário mais próximo e enquanto ela caminhava em direção a sala com Joca no colo, ficou observando quão linda era a maluca protetora dos animais.
Seus longos cabelos escuros, levemente encaracolados, com um resto da última tintura nas pontas, andar suave, olhos azuis e intrigantes faziam-no pensar no que o fizera desviar a rota do trabalho e quase atropelar a moça e seu cachorro num sinaleiro da Liberdade.
Entre suas meditações, uma hora e meia havia passado. Saíram de lá eram quase oito da noite. Ela, ele e o Joca, que agora dava lambidas apaixonadas na sua dona e no seu dono, segundo o cãozinho pensava. Levou-os até o apartamento dela e ela sorriu sem graça quando o carro parou.
- Acho que eu lhe devo desculpas e um muito obrigada. Você não quer subir fazer companhia pra gente? Íamos jantar sozinhos.
- Você ia jantar sozinha, né?
- Se não tivesse encontrado o Joca, sim...
- Então, pode por mais água no feijão.
- Não como feijão, pode ser hamburguer?
Ele sorriu enquanto desciam. Ela olhou nos olhos do cãozinho que amorosamente lhe dava beijos, como um sinal de gratidão eterna por ter salvo sua vida. Gratidão, era tudo aquilo que ela precisava naquele dia. E ao mesmo tempo, sem que ela soubesse, em pensamento, ele agradecia aos céus por ter desviado sua rota de trabalho naquele dia.

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