quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Desamor

"Porque eu vi o que ninguém viu, porque eu dei valor ao que ninguém deu. Porque eu o quis, como ninguém jamais ousou... Por que as coisas caminham para o cinza?"
Eram esses os pensamentos que faziam Clarice caminhar com os olhos cheios de lágrimas em direção a floricultura.
Com um vestido de renda branco ultrapassando os joelhos, rodado e de mangas leves, Clarice parecia uma noiva. Tinha os cabelos lisos mas as pontas encaracolavam. Eram assim desde que ela era uma menina e nunca haviam mudado.
Os olhos bem redondos como os de uma boneca agora estavam tristes, imensamente tristes. Uma tristeza que lhe feria o peito como uma faca. Clarice havia se entregado ao rapaz que morava a duas quadras dela, ele que a cortejou como ninguém havia feito. Que a fez sentir especial, única e diferente. Ele que não se importava apenas no que havia debaixo das saias dela, que tinha sinceridade no olhar. Que a interrompia quando ela estava falando só pra dizer que ela era linda e que dizia que tinha saudades dela. Ele que disse sem de importar com o tempo que a amava. Ele que desconsiderou as convenções e foi tão intenso que não havia como não se apaixonar perdidamente por ele.
Agora, ele parecia uma outra pessoa. Não dizia mais palavras doces a ela, não sentia mais saudade, não dizia que ela era linda mesmo quando ela se arrumava. Estava cinza e apagado.
Mesmo assim Clarice ainda via nele todas as cores do mundo. Ele que parecia não se importar com o que pensavam os outros agora tentava recuar. Se afastava de uma maneira dolorida que feria muito a aquela jovem menina que havia entregado com todo o amor do mundo seu coração a ele.
Como poderia voltar a fita? Retroceder? Já haviam pulado juntos de um precipício, já haviam se lançado de mãos dadas no abismo. E agora ele queria tentar subir de volta e deixar Clarice sozinha lá?
Como ousava tratar assim a única que soubera amá-lo? Ele que não conhecia nada de reciprocidade, agora que se deparava com ela a desprezava.
Talvez se Clarice fosse mesquinha, pequenina de pensamento, fizesse joguinhos imbecis com ele, pisasse nele como se pisa num inseto e o fizesse de troxa, talvez assim ele amasse Clarice.
Mas, por Deus, ele parecia ser tão diferente de todos os outros, e agora era frio como uma pedra? Por que então ele havia dado sua mão para a menina? Por que havia dito que a amava? Por que, se diante de toda aquela frieza aquilo parecia uma grande mentira?
Por que ele não podia enxergar um palmo na frente de seus olhos? Que raio de amor era aquele?
Mas nem todos esses pensamentos impediram Clarice de lhe comprar um imenso bouquet de flores.
E no meio de tantos porques sem resposta, de lágrimas sem uma mão amada para enxugá-las, Clarice chegou a porta da casa dele.
Tocou a campainha e ele atendeu.
Eram oito horas da noite, não era hora de uma moça de família estar na rua sozinha.
Ele abriu e com o olhar repreendeu Clarice.
- Clarice, o que você faz aqui a essa hora e sozinha?
Ela estava calada. Não podia falar, não conseguia, seu peito se apertava e as lágrimas invadiam seu rosto.
Ele percebeu as flores e se aproximou.
- O que é isso Clarice?
Ela permaneceu quieta, com as flores na altura dos joelhos e os dois braços abaixados, chorando.
- Clarice!!!
E num súbito, como se tivesse juntado todas as forças que restava, ela lhe entendeu os braços, oferecendo-lhe o bouquet de rosas vermelhas, e com a voz que ainda havia para dizer alguma coisa ela gritou:
- ME AME!
De repente a visão de Clarice ficou turva, ela empalideceu. Ele apavorou-se. O bouquet caiu no chão e depois dele, foi a vez de Clarice.
Ele segurou Clarice nos braços.
- Clarice, pare com essa brincadeira. Por favor! Clarice, fale comigo!
E tentando sacudí-la e acordá-la como podia ele gritava por ajuda.
Então percebeu a maior dor diante dos seus olhos. Clarice não respirava mais, as batidas de seu coração haviam cessado. Clarice estava morta.
E gritando ele apertava Clarice contra seu peito.
- Clarice, não! Volte, por favor, me perdoe, eu a amo, eu a amo!
Dessa vez foi a vez dele chorar.
E chorou copiosamente vendo aquela única menina, aquela única mulher que o amara de verdade, que soubera dar valor ao que ninguém deu, que viu o que ninguém jamais viu.
Ninguém soube ao certo dizer o que aconteceu com Clarice naquela noite. O que dizem por aí é que ela morrou de tristeza, de desamor.
Ele chorou copiosamente o resto da vida e nunca mais conseguiu amar outra pessoa.

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