quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Eu nasci em casa!

Toda vez que eu sento aqui, passa um filme na minha cabeça. Foi aqui que eu nasci e nasci mesmo, porque eu nasci em casa, contrariando todas as pessoas que chamavam minha mãe de maluca.
Ela sempre me contou sobre o dia do meu nascimento. Eu não conseguia entender direito como eu havia cabido na barriga dela, mas eu era tão pequeno e não entendia muita coisa mesmo. Só entendia que ela era minha mãe, que arregalava aqueles grandes olhos verdes, sorria e chorava toda vez que me contava sobre o dia que eu nasci.
No meu quarto sempre teve uma foto dela, do meu pai e minha, e deve ter sido tirada na hora que eu nasci mesmo, porque eu estava até sujinho e meus pais estavam chorando.
Dessas coisas que eu me lembro, todas elas tem cheiro e gosto. Assim como as vezes que eu e a Helena brincávamos de subir na arvore, daí eu caía ou ela me empurrava, e ia chorando pra minha mãe lavar meu machucado. Isso sempre acontecia quase antes do almoço e as mãos da minha mãe cheiravam a alho e cebola. Ela enxugava minhas lágrimas e meu rosto cheirava a tempero. Eu não achava ruim, achava que alho e cebola tinham o poder de sarar os machucados e enxugar lágrimas. Pois era isso que minha mãe fazia.
Quando a minha mãe ficou grávida da Esther, ela me dizia que ia ser como no dia que eu nasci, mas que se eu não quisesse ver, não tinha problema. Ela disse que no dia que a Helena nasceu, eu dormi na hora do parto, então não vi nada. E mesmo se tivesse visto, não ia lembrar porque eu só tinha dois anos.
Eu lembro bem do dia que a Esther nasceu. Acordei com o meu pai acariciando meus cabelos e perguntando se eu queria ir pra casa da minha vó. 
Olhei na porta e minha mãe estava de pé. A Helena nem se mexia na cama, irmã mais nova é sempre folgada mesmo. Achei que eu tinha que ficar pra ajudar meu pai, ou pedir pra alguém limpar a Esther na hora de tirar foto, porque sair sujinho na foto não era uma boa ideia. 
Chegou um monte de gente na minha casa, era noite ainda. Eu lembro de ter comido um bolo de nozes que eu adorei e de ter ficado com muito sono quando as moças que iam ajudar a minha mãe, começaram a cantar. A minha vó ficou comigo no colo e eu vi umas duas vezes os olhos dela se encherem de lágrimas e ela sussurrar pra mim que foi assim no dia que eu nasci. 
Dali um pouco, estava todo mundo ajudando a minha mãe. Até eu. Ela segurava minha mão e apertava forte, forte demais mas eu nem reclamei, porque eu tinha que ser forte pra dar força pra ela. 
O sol já estava nascendo e com ele nasceu a Esther. Berrava mais que a bezerrinha do sítio do meu vô, tava toda suja que nem eu naquela foto. Falei pra minha mãe que era pra limpar ela antes de tirar foto e minha mãe riu. 
"Obrigada, filho,"
Depois que eu vi a Esther nascer eu fiquei pensando que eu queria fazer aquilo. Ajudar as crianças a nascer. Segurar a mão das mães na hora que elas precisassem de força e até limpar as crianças na hora de tirar foto.
E depois disso, no dia que a gente fez um desenho na escola sobre o que queria ser quando crescer, quando minha mãe viu, ela sorriu e quase chorou junto.
" Tenho certeza que você vai ser um ótimo médico de ajudar os bebês a nascerem meu filho!"
Pois foi isso mesmo que eu escrevi embaixo do desenho: "médico de ajudar os bebês a nascerem".
Toda vez que eu sento aqui, passa um filme na minha cabeça. E olha que eu só tenho 10 anos, amanhã vou fazer 11. 
Olho pra minha casa laranja e penso que eu nasci aqui mesmo. Sinto um negocinho quente dentro de mim, acho que é isso que chamam de felicidade. E eu fico feliz mesmo por ter nascido aqui. A minha mãe sabia o que tava fazendo. Mães sempre sabem o que fazem.