quinta-feira, 28 de março de 2013

Sobre enroladores, metades e a caretice saudável


"Você precisa ter calma", "Você precisa ser paciente", "Você vai assustar o moço assim!".
Qual de nós nunca ouviu essa frase quando está em vias de começar um relacionamento que atire o primeiro bojo!
São conselhos de toda ordem que nos vem de todos os lados para que sejamos o mais "moças", "damas" e polidas possível. Conselhos sempre de quem nos quer bem, certo? Outros nem tanto. Mas eles vem até do motorista do ônibus, que pede que você vá com calma, coisa e tal.
Ok, Brasil. Mas vamos desmistificar um pouco isso?
Porque existe uma sutil diferença entre ter pressa de tudo e querer entender a relação na qual se investe. Sim, e digo investimento porque investimos tempo, dedicação, roupas, salão de beleza e paciência. E haja paciência!
 Eu sei que vai parecer título daqueles manuais prontos sobre "mulheres poderosas conseguem tudo o que querem", mas eu preciso dizer uma coisa: Homens, mulheres inteligentes sabem quando estão sendo enroladas.
 Porque um homem quando enrola uma mulher dá todos os sinais possíveis e imagináveis de que está fazendo isso. A começar pelas desculpas esfarrapadas justificando a ausência dele. Quando ele está te enrolando, minha amiga, até a arrancar o carrapato do cachorro vira mais urgente do que você. E naquela abundância toda, ele vira pobre em um instante. Não tenho dinheiro nem pro passe do busão. E seja compreensiva, porque ele está com saudades, claro, mas nada urgente, a gente pode esperar não é mesmo? Temos a vida toda pra esperar o paspalhão decidir se vai ficar com a gente ou com as outras 350 nega que ele enrola consecutivamente. O advento das redes sociais não nega quando estamos sendo enroladas, caras amigas! Só não vê quem não quer...
E o que mais me indigna é aquela maldita frase que o enrolador usa "Nós estamos nos conhecendo!".
Frase essa muito capciosa. Porque realmente, quando estamos começando a investir num relacionamento, as vezes vamos com mais calma, especialmente se já fomos tragicomicamente traumatizados por experiências pretéritas, sim? Então vamos devagar, caminhando, cantando e seguindo a canção.
Mas nesse meio tempo, você, mulher esperta e altiva, percebe se realmente, o interesse é conhecer melhor, ou simplesmente te colocar no banco de reservas e quando a boa vontade do ser em questão surgir, ele te chama pro ataque.
Francamente, muito me espanta (e não sei porque me espanto, né) que os marmanjos de hoje em dia ainda se utilizem dessa prática e que certas mulheres desavisadas ainda caiam nesse conto pra lá de manjado!
O pior de tudo é você perceber que está sendo enrolada e se permitir ser enrolada por mais tempo. Se lhe convém a enrolação, minha amiga, vá em frente e seja feliz. Mas nunca espere de um enrolador mais do que desculpas esfarrapadas, vontades mínimas e desejos efêmeros. Acende e apaga assim como fósforo. Chama fraca e nada duradoura.
Eu sou dessas ditas "caretonas" que se percebe que está sendo enrolada, pula fora. E acho uma caretice muito salutar pra minha saúde emocional. A gente sabe onde o calo aperta e não quero correr o risco de passar anos da minha vida, assim como a gente vê frequentemente, num barquinho que não sai do lugar. A não ser que eu esteja de comum acordo com a enrolação, não sou do tipo que começa um relacionamento pra não dar em nada. E também não tô falando que tô procurando um marido ou um pai pros meus filhos. Há um grande equívoco em pensar isso de nós que não apreciamos o status de relacionamento "enrolado". A questão é que prefiro gastar energia com outras coisas. A gente fica atrelada, com o coração meio preso, meio solto, com meia vontade disso ou daquilo. Tudo muito morno, nada muito concreto. De metades já me bastam aquelas do pãozinho que a nutricionista mandou comer de manhã. Meio pãozinho eu aceito, meio amor? Não, muito obrigada.
E como eu disse pra uma amiga sobre um enrolador "você é gato, mas eu não sou novelo".

segunda-feira, 25 de março de 2013

Talvez você ainda não saiba...

Olho bem quando vocês passam. Fico observando os detalhes do sorriso dela nas fotos de vocês dois. É, cara, ela tá gostando mesmo de você.
E só quem teve o prazer imenso de ser o sujeito na oração dessa mulher sabe do que eu estou falando. Você deve estar sabendo agora, mas talvez não saiba de tudo.
Você não sabe, por exemplo, a dor diária que é conviver com a ausência dela. É como aquele caco de vidro bem pequeno que entra no seu pé e você não consegue tirar. Ele vai doendo, inflamando. Tem dia que parece que a gente esquece que ele está lá. Mas tem dias que ele sangra e é uma dor horrível, cara. 
Talvez você não tenha percebido que ela é a mulher da sua vida. Porque eu não percebi enquanto a gente tava junto. E hoje, quando eu olho pra vocês, sinto um turbilhão de sentimentos. Um misto de pesar e de resignação. Talvez uma certa alegria porque tem alguém que cuide dela. Mas um vazio fundo e dolorido, uma sensação de quem perdeu o último avião que levaria até sua terra de origem, e que depois dessa partida, as linhas áreas fizeram uma greve e você não sabe quando vai poder voar novamente de volta pra casa.
É como acordar bêbado numa casa que não é a sua, não conhecer ninguém e não saber como você foi parar ali.
Talvez você ainda não saiba, mas mulheres como ela não ficam muito tempo sozinhas se não quiserem. Mas ficam muito bem sozinhas quando querem também. Mas saiba que se você fizer pouco dos sentimentos dela, vai ter sempre um espertão e bem esperto mesmo, que vai saber dar valor pra ela. Mulheres especiais a gente reconhece de longe. 
Talvez você não saiba também, mas por mais apaixonada que ela esteja, e ela está, porque dá pra ver naquele sorriso maldito de lindo que só ela tem que você é o cara pra ela, dá pra ver nos olhos imensos de desenho animado que ela tem que você é a resposta pras perguntas dela, dá pra ler em cada frase que ela escreve, porque depois de algum bom tempo lendo cada coisinha que ela escreve, você passa a compreender o labirinto suave e a montanha russa encantada que é o coração dela. Mas como eu ia dizendo, por mais apaixonada que ela esteja, ela vai sobreviver a você.
Porque ela é forte. Disse Freud que as pessoas que se sentem seguras de serem amadas ficam mais fortes. E ela é forte não porque você pode amá-la, porque você pode deixar de amá-la também, mas ela é forte porque ela se ama. Ela sabe o valor que tem. E sabe que se ela não morreu de amor ainda, não morre mais. Porque ela é uma Fênix, cara. Ela pode até chorar, sofrer, virar cinzas, mas depois cara, ela ressurge ainda mais linda, brilhante, com toda força do mundo pra encarar o que a vida lhe trouxer.
Ela é uma mulher como poucas, e talvez você ainda não saiba disso.
Talvez você ainda não consiga perceber o que ela quer dizer quando ela entrelaça os dedos no próprio cabelo e leva até o nariz, talvez você ainda não saiba que ela pensa em você quando vai dormir e quando acorda. Talvez você não saiba o tamanho do tesouro que tem no coração dela, e cara, se você perceber, segure! Faça ela se sentir amada, não seja egoísta, egocêntrico, não pense só no seu prazer, no que você tem no meio das pernas, não pense no seu maldito orgulho e não dê ouvidos ao medo imbecil de se entregar.
Esqueça as convenções, ela não é um boneca de porcelana, muito embora pareça, e nem uma boneca inflável. Ela não é uma boneca, nem uma super heroína que vai resolver todos os seus problemas, cara. Ela é uma mulher. Linda, filhadaputamente linda. Que fica mais linda ainda quando está apaixonada. E ela está cara, mas talvez você ainda não tenha percebido isso.


segunda-feira, 18 de março de 2013

Conselho para Clarice

"Clarice, tem uma série de coisas que eu gostaria de lhe escrever nesse dia frio. Lembro de como você se sentia absolutamente confortada nessa estação, com dias frios, o nariz vermelho e uma calma aparente. Você dizia que o frio protegia seu coração. O verão nos expõe demais, Clarice. 
Fico pensando como lhe dizer todas essas coisas, queria dizer que tudo vai dar certo, que será dessa vez, que vamos comer bolo juntas, comprar guardanapos e rir tanto depois. Mas esses inícios, essas expectativas, oh, Clarice, isso fere tanto, não sabemos nunca como agir.
Não queria lhe ditar regras, mas como conheço seu espírito, seus olhos claros e as olheiras que você disfarça com base, gostaria de lhe dizer algumas coisas. Não queira me matar, leia até o fim:
Seja paciente. Seja agradável. Seja gentil. Seja compreensiva.
Esteja bonita. Esteja linda. Esteja disposta. 
Seja inteligente, mas não muito. 
Seja inocente, mas nem tanto.
Segure as pontas, não chore.
Segura o choro, não desaponte.
Segura o medo, não fuja.
Segure a fuga, não tema.
Feche a boca, coma menos.
Perca a barriga, perca o pudor, mas nem tanto.
Nem tão magra, nem tão sem vergonha.
Não escreva, guarde as palavras.
Não diga tudo, diga só o que for preciso.
Não precise, não peça, não reclame.
Não cobre, não cobre e não cobre.
Se cubra, se proteja, se entregue.
Dê amor, mas não dê o coração.
Dê, amor e o coração.
E quando tudo isso parecer muito contraditório
E quando nada disso mais fizer sentido pra você
Esqueça tudo isso, esqueça todas as regras
Esqueça todos os manuais que dizem como devemos ser
Como devemos agir, em quanto tempo devemos dizer,
dar, amar, falar, sorrir, segurar, soltar, compreender, assumir.
Esqueça tudo, não seja nada disso
Seja você mesma e seja o que Deus quiser.
Te amo, Mana."


sexta-feira, 15 de março de 2013

Por um mundo onde se corra menos atrás e mais ao lado!

"Tô cansada de ficar correndo atrás".
Certamente você já ouviu ou falou essa frase pelo menos algumas vezes na sua vida, minha amiga, e é verdade, tem uma hora que a gente cansa. Cansa mesmo.Cansa de correr atrás. Cansa, porque correr atrás não é o caminho. Tem uma hora que não dá mais pra correr atrás. Chega uma hora que a gente precisa aprender a correr ao lado. Essa história de correr atrás deve ficar no passado. Redundante assim mesmo, mas é verdade.
E um passo importante é olhar e perceber o ritmo dessa pessoa que você quer que corra com você nessa maratona. Porque se você percebe que ela quer sempre estar na sua frente, que você tá sempre ali, correndo, correndo e nunca alcança, bom, a constatação que a coisa tá errada não precisa vir num pódium com um troféu dizendo "você está fazendo isso errado" nem com um "a gente se fala" como prêmio de consolação, né?
Correr atrás não é o caminho. E olha que tô começando a perceber isso depois de gastar muitos sapatos, tênis de corrida, hawaianas e salto alto nessa minha vida com quem não tava me esperando pra essa prova!
Sabe, parece discurso pronto, manjado, clichê, mas correr atrás só vai fazer você se cansar. Cansar até do que não deveria, como do amor, das relações e da paixão. Sabe, quem quer a nossa companhia, espera a gente pra correr junto.
Junto. Essa é a palavra.
Chega uma certa altura da vida, quando a disposição para amores bandidos, amores fast-food, amores líquidos, cai drasticamente, daí gente começa a pensar que não tá mais naquela forma de ficar correndo atrás de alguém desse jeito, que a gente não quer um relacionamento competitivo onde se aposta o orgulho, o ego e a vaidade. Porque não dá mais pra gente viver num mundo onde as pessoas estão empurrando umas as outras, passando por cima de tudo pra alcançar um outro alguém, que na maioria das vezes, tá indo na direção totalmente oposta da gente. Tô cansada de ver um monte de zumbi sedento de amor, correndo atrás de idealizações mesquinhas e fúteis  buscando lá na frente algo que se um dia vier a alcançar, vai pensar "nossa, era isso que eu queria tanto?!"
Não que a gente vá sentar e esperar o príncipe aparecer. Mesmo porque a gente já tá cansada de saber que esse dia não vai chegar! E não tô aqui pra fazer apologia daquela filosofia fútil de "Homens, vocês que tem que correr atrás!". Não, não é isso. Mesmo porque não é mais pra correr atrás. É pra correr ao lado, juntos.
Chega um momento que o coração pede, as pernas falham nessa busca inalcançável pelas idealizações que fizemos e a gente passa a procurar um certo alguém que queira correr ao nosso lado, que queira correr junto. Faz muito mais sentido.
É claro que no começo, até a gente estabilizar o ritmo dessa corrida, um pode acelerar mais enquanto o outro pode parecer mais lento. Mas se for pra correr junto, uma hora a gente vai se acompanhar nos passos, vai conciliar o ritmo, vai compreender que nessa pista tem uma porção de obstáculos, buracos, pedras, pessoas, mas se a gente quiser correr junto mesmo, vamos conseguir ultrapassar essas barreiras, vamos ajudar se o outro tropeçar e porventura, se ele cair, a gente para, cura as feridas e continua. Mas junto. Porque esse é o objetivo.
É chegar junto em algum lugar. Não importa o lugar, mas que estejamos juntos.
Por isso olhe bem pra pessoa que tá com você, sabe. Ele tá aí, correndo do seu lado, ou tá lá frente, tentando alcançar algo dela e você aí, se matando pra alcançá-la? Olhe bem pra onde você quer ir, onde quer chegar, você tá correndo tanto por que mesmo?
Deixo aqui o meu pedido sincero, meu apelo aos corações cansados dessa maratona falsa de prêmio medíocre e ilusório. Não dá mais pra viver assim!
Por um mundo onde se corra menos atrás e mais ao lado! E tenho dito!

terça-feira, 12 de março de 2013

Grampos, shampoo de camomila e o medo

Ela deixou três grampos na pia do meu banheiro. Um shampoo de camomila aberto no box, fios de cabelo dela por toda parte e um vazio estranho que não tinha sentido antes.
O cheiro do perfume dela ficou no meu lençol, naquela minha blusa branca que ela vestiu pra dormir e no meu nariz. Parece que não passa. Volta e meia sinto o cheiro dela.
O eco da risada dela tá presente aqui por esses dias. Nunca pensei que uma risada fosse deixar tanto eco e ao mesmo tempo, tanto vazio aqui dentro de casa e dentro de mim.
Ela se meteu a fazer rabanadas de café da manhã e quase queimou tudo. Eu comi rindo e falando que era melhor ela aprender a cozinhar senão nada feito. Então aquele sorriso imenso foi desmanchando e ela olhou pra baixo. Achei que era brincadeira dela, sorri e pedi pra ela olhar pra mim. Ela levantou aqueles grandes olhos hipnóticos que só ela tem e eles tinham um brilho triste. "Juro que um dia eu acerto", disse ainda sem graça pela sua tentativa frustrada de me agradar. Puxei ela pro meu colo, soltei os cabelos claros daquele coquinho que ela insistia em fazer sem nada que o prendesse, olhei bem e disse.
- Eu vou saber esperar.
Diversos pensamentos me tomam quando penso nela. Ela me dá um medo que só. Olha pra mim e devora minha alma com o olhar. E se eu me perder pra sempre nesse olhar? Tento me conter as vezes, mas o sorriso que emana de mim quando ela tá distraída, olhando pro nada ou cantarolando baixinho e nem percebe que eu tô olhando pra ela, isso é uma das coisas que eu não consigo disfarçar.
Fez uma semana que não a vejo, mas a presença dela aqui é algo real demais.
Sinto saudades de ouvir ela contando de todas as coisas que já viu. De como ela parece resgatar imagens, sons e memórias e depois guardá-las numa caixa segura, porque a vida sempre continua, ela disse. Sinto falta daquele jeito que ela me pede pra deitar mais perto, ou quando pergunta se meu braço tá doendo porque ela tá deitada nele. Da concentração que ela passa delineador ou rímel, aprendi o nome dos dois, mas não sei qual é qual. Ela parece uma artista, minha jovem menina Monet enquanto se pinta. Segura aquele pincel de ponta muito fina e passa bem rente ao cílios  Minha Cleópatra, eu disse, ela sorriu e disse que eu era Marco Antônio, mas que queria um final feliz.
Volta e meia ela cheira meu pescoço e mesmo quando acho que meu perfume já saiu, ela continua ali. Nariz na minha pele, me causa uma porção de arrepios. Daí ela me morde e solta uma gargalhada farta, a mesma gargalhada que ela dá quando me belisca com o pé. "Nem dói, vai", ela disse rindo da última vez que eu reclamei dos "peliscos" como ela diz.
Fico pensando em todas essas coisas, ainda consigo ouvir ela pedindo pra eu acender a luz do corredor.  Fecho os olhos e vejo ela dormindo serena. Ela abriu os olhos devagar e ficou me olhando, sorrindo sem mostrar os dentes. Fechou os olhos com calma e voltou a dormir. Continuava sorrindo. Senti um medo estranho de repente. Medo maior do que esse de me entregar de vez. Medo maior do que ter minha vida invadida por ela. Foi um medo dolorido, desses que dói bem no fundo quando a gente pensa nele. E percebi que tenho medo de ficar sem ela. Mais do que todos os medos bobos, esse me pareceu bem real.
Me revirei algumas vezes ainda, quase não dormi direito.
Acordei com aquela sensação de vazio. Na cozinha não tinha rabanada, no banheiro, só os grampos e o shampoo. E no meu coração, a presença dela.
Será que vai demorar muito pra ela voltar?

segunda-feira, 11 de março de 2013

Mais bonito

Queria saber quais os processos, quais as sinapses, ligações neurais e compostos químicos que fazem com que cada vez que eu te olhe, te ache cada vez mais bonito.
Você já era bonito quando te vi a primeira vez. Claro, impossível não perceber que você já era bonito. Foi uma das primeiras coisas que vi quando no auge da minha miopia, apertei os olhos de longe pra te ver melhor. E depois, enquanto eu erguia um pouco minha cabeça pra conversar olhando bem nos seus olhos, porque você é bem mais alto que eu, numa tentativa de ver o que era ou quem era você, percebia mesmo que você era bonito.
No dia seguinte você continuou bonito daquele jeito. Não mudou muita coisa até a hora que você olhou pra mim e disse seu primeiro "linda" de sucessivos "linda" que ainda viriam.
No último dia daquele "três dias antes", como disse Nando Reis, você já estava mais bonito.
Então depois daquelas semanas, quando você sorria com seu olhar cansado pra mim no carro, já era absurdamente mais bonito do que a primeira vez.
E nesse último segundo do "Fica com Deus", enquanto as pessoas sentadas esperavam a partida, enquanto a gente também fazia parte desse contexto de idas e vindas, eu olhei pra você e nossa, cara, você é lindo.
Disse isso pra você, talvez não com essas palavras...
Fico pensando no que acontece dentro de mim quando isso acontece. Fico pensando como o coração bate, qual a velocidade do sangue nas minhas veias, como se dilata ou se contrai minha pupila quando olho pra você e você está ainda mais bonito.
Talvez seja um paradoxo entre as reações químicas e físicas, psicológicas e emocionais. Talvez seja a sua barba. Talvez seja alguma coisa que cresce em você, que cresce em mim. Talvez sejamos o espelho.
Talvez a cada dia que passe você me deixe ver um pouco mais de você. Talvez a cada dia que passa você se permita despir um pouco mais da armadura que você veste e que estava tão intacta quando disse a primeira vez que "a noite era uma criança". E penso que seria impossível você ser tão bonito como é hoje naquele dia, porque essa beleza crescente é um processo que eu ainda não sei explicar.
Diferente de algumas pessoas que pareciam tão bonitas e com o tempo foram ficando absolutamente feias. Isso já aconteceu com você?
Não que elas tenham se deformado, elas são as mesmas. Mas pensando bem, quando o sentimento deforma, parece mesmo que tudo transforma junto.
Sentimento. Talvez seja isso.
Fico pensando, pensando... Daí eu paro. Talvez eu já saiba, talvez já saibamos. Talvez você precise ficar ainda mais bonito, mas num segundo penso de novo, será que isso é possível?
E a resposta vem, quando sem querer me pego olhando pra você num instante e penso "você ficou ainda mais bonito".

segunda-feira, 4 de março de 2013

O pombo

Eu acordei sem poder abrir os olhos direito. Fiquei num coma mental forjado por mim mesmo pra entender o que estava acontecendo. Daí eu abri os meus olhos e vi que estava na casa do meu amigo. Mesmo assim forcei a memória umas três vezes pra me recordar de como tinha parado ali. Mas na quarta vez, foi como se eu fosse um pombo e uma bala tivesse acertado meu peito. Como uma ave frágil, senti os últimos segundos, o sangue parou na metade do meu estômago enquanto meu rosto perdia a coloração. Lembrei de tudo o que tinha acontecido no dia anterior, de como tinha parado ali, o motivo pelo qual minha cabeça doía, meu coração queria parar de bater e o porque eu me sentia atingido por uma bala.
Aos poucos, as imagens iam se desenhando vivas na minha mente e eu já começava a me arrepender por ter feito tanta força pra lembrar do que tinha acontecido.
Lembrei daquela garotinha linda, de olhos imensos. A bolinha dela veio rolando em direção aos meus pés. Eu abaixei e peguei. Ela sorriu na doçura de seus quatro anos. Aqueles olhos grandes de boneca me lembravam... Mas antes que eu pudesse concluir isso, uma voz cortou meu pensamento.
- Agradece o moço, Malú.
Então você sorriu. Era você. Continuava linda, como sempre.
- Oi, Pedro...
- Nossa, Elis, quanto tempo!
- Pois é...
Então você puxou a menina pela mão e disse.
- Agradeça o moço, Malú.
- Nossa, é sua irmã? Como ela tá grande!
Então você riu, levantou as sobrancelhas daquele jeito que você faz quando ouve uma pergunta idiota mas tenta ser gentil. Eu achando que íamos embarcar numa conversa sobre tudo que vivemos então você disse.
- É, Pedro. A minha irmã tá tão grande que tá com nove anos já...
Pensei um pouco, olhei pra menininha segurando a sua mão. Ela não podia ter nove anos. Tentei sorrir e perguntei na minha inocência.
- E quem é essa menina bonita?
- É minha filha, Maria Luiza.
Foi o tiro. O tiro no pombo e eu era o pombo. Nunca o sentido de uma frase doeu tanto. Tentei dissimular meu assombro, minha estupidez, tentei com um sorriso torto dizendo que ela era a sua cara. Mas não aguentei. Procurei qualquer vestígio e estava ali, o que eu precisava pra morrer. Uma imensa aliança dourada na sua mão esquerda. E pior do que isso, seu olhar brilhante, intenso, vivo e ele me dizia que você era feliz. Mãe, esposa e mulher. As três em uma, numa felicidade de dar gosto. Me contagiei por um instante, como se essa felicidade me pertencesse. Parecia que eu fazia parte daquilo. Em segundos me recuperei do choque e disse, inocente, como se eu soubesse da resposta.
- Você só tem ela?
- Não, tenho um menino de dois anos, o Júlio. Mas ficou em casa dormindo com o meu marido.
Outro tiro no pombo. Desferido cruelmente pelas suas palavras doces e gentis. Era você, dois filhos lindos, porque se a menina era linda, o menino devia ser também, e o sujeito pelo qual eu me arrepiava de ciúmes naquele instante: seu marido.
Sorri um sorriso amarelo, talvez vermelho pelo sangue fictício que eu imaginava subir pela minha boca naquele instante. Quando eu deixei você me escapar, quando fiz você chorar, quando achei que não te amava, nunca imaginei que um dia pudesse  encontrar  você tão linda, segurando sua filha Malú pela mão, falando do seu pequeno J[ulio, dizendo que ele estava com o seu marido com um imenso sorriso estampado no seu rosto sereno. Eu achava que o tempo não passaria e que um dia você me diria, "ei Pedro, eu senti sua falta, agora que você voltou podemos ficar juntos."
Mas não, Elis. Deixei você escapar. Deixei você partir sem perceber que eu perdia pra sempre a luz dos meus olhos e que agora era um imenso farol a irradiar sua luz pra sua família. Sim, essa família que não era a minha. O que eu tinha agora, Elis? Nada.
Você deve ser uma mãe maravilhosa, uma companheira incrível. E eu Elis, eu joguei fora aquele "nós" porque eu acreditava que seria "eu".
Em um segundo todas essas ideias povoaram minha mente, habitaram meu coração como hospedeiros invasivos e letais. Me sentia morrer a cada lembrança desse encontro. Via você se despedindo de mim, as mãozinhas da Malú me dando tchau e de como eu me enfiei num canto da padaria e bebi, até ligar pro Beto, chorando, pedindo por favor pra ele ir me buscar.
Disse a ele que você tinha atirado em mim. Ele não entendeu. E eu só fui entender depois, Elis, que na verdade, o responsável pelo pombo morto era eu. Fui eu que dei a arma na sua mão. E você disparou o seu sorriso, sua felicidade, com tudo aquilo que você merecia e eu não lhe dei. Hoje você é a rainha, Elis. E eu sou apenas um pombo morto. Morto por dentro, um zumbi de coração machucado e culpado por isso, andando por aí, pensando em tudo o que eu fiz, vivendo por viver, porque na verdade, eu já tinha morrido há muito tempo sem você.