terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Choconhaque

Mordia os cantos das unhas sem esconder. Depois lembrou que detestava ver as pessoas com as mãos na boca e se corrigiu. Estava mesmo muito distante do que gostaria.
O dedo ainda úmido da saliva de segundos antes deslizou pela tela do celular, desbloqueou e viu ali. A tecnologia que entregava o descaso. "Mensagem Lida as 19:19".
Apertou o botão e bloqueou o aparelho novamente. Já passavam das onze e meia da noite.
E enquanto via a fumaça do choconhaque subir na atmosfera triste daquele bar, sentiu raiva antes de ter vontade de chorar.
Ele é só mais um cara bonito, Nina. Dizia isso todos os dias, há mais ou menos cinco dias consecutivos. Era o novo mantra pra se convencer e se blindar daquele feitiço maldito que a arrastava direto pro sorriso dele.
Um dia ia funcionar e a maldição estaria quebrada. Quem sabe da próxima vez que se vissem, e talvez isso demorasse um pouco pra acontecer, porque tudo parecia mais importante que ela, mas talvez ela pensasse apenas nisso e não sentisse mais o coração ansioso tentando arrebentar o peito dela pra se lançar e dizer "ei, cara, senti sua falta pra caralho!".
Nina riu. Riu de si por pensar num coração animado, se lançando no pescoço dele. Sorveu um gole do choconhaque com cuidado. Fez um barulho e ela se irritou. Detestava esses barulhos que as pessoas faziam com a boca pra beber coisas quentes. Inclusive ela própria.
Não podia esperar nada dele. Não sabia mais o que esperar dele. Ele sorria, a cumprimentava e aquele beijo no rosto dizia pra ela em todas as letras cortantes e ásperas "somos apenas amigos".
Mas se confundia tanto porque todos os dias ele lhe escrevia de manhã, logo nas primeiras horas do Sol nascente. E ela pensava no tamanho da prepotência dele em querer que ele fosse a primeira coisa que ela pensasse ou "visse" quando acordasse, como quem diz "talvez eu não me lembre de você, mas não se esqueça de mim".
Revoltou-se. E amassou o restante do biscoitinho de manteiga com o dedão.
Se fosse um homem assim, talvez ela gostasse de ter uma mulher como ela, linda, zelosa, preocupada e dedicada a perguntar todos os dias se ele estava vivo, se havia comido ou dizer que tudo vai ficar bem, só pra sabê-lo mais feliz com a dureza da rotina diária.
"Mas ele tem mãe, Nina! Ele tem mãe!" Gritava dentro de si com a mesma intensidade do auto-falante do cara da pamonha. Ecoava no coração, na mente e em todos os ossos dela.
Eu não quero ser a mãe, nem a irmã, nem a amiga. Nem aquele sorriso forçado de domingo de manhã de quem queria olhar pra ele e chorar, apontar o dedo na cara, dizer aquela história que lhe contei a primeira vez que saímos como naquele filme que a moça repete essa cena dizendo "não sei porque eu achei que com você seria diferente."
Estava vermelha de raiva. Sentia todo o sangue concentrado nas bochechas. Por conta do frio, do choconhaque e da raiva.
Daí lembrou do rosto dele. De como ele ficava lindo quando ela o via bem de perto, com a testa encostada na testa dele, respirando o ar que ele expirava, quase morrendo sem oxigênio puro, mas e daí. Era quase uma rosa no deserto sobrevivendo à tempestades de areia.
As esperanças desapareciam a medida que o choconhaque sumia da caneca. 
Em breves instantes, ela vomitava pelos olhos aquilo que tinha engolido da última vez que ele disse "a gente se fala."

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Sobre príncipes e princesas - Coisas que eu escrevi para Alice e Giovana


Estávamos eu, Alice e Giovana, num raro momento onde minhas duas irmãs, que por sua vez, não são irmãs (não biologicamente, talvez espiritualmente, mas isso é papo pra outro dia), brincando com miniaturas das princesas da Disney.
Enquanto encenávamos festas em que Aurora, Bela e Branca de Neve iriam, num dado momento, Giovana,que já tem três anos e dava vida à princesa Aurora, disse para Alice, que tem seus dois anos e dava vida á Branca de Neve.
- Vamos, amiga, vamos lá embaixo esperar o príncipe!
Como se numa festa onde as princesas estivessem no salão principal, desceram a escada imaginária para encontrar o príncipe. Nós não tínhamos miniaturas dos respectivos príncipes para brincar, então colocamos o faz-de-conta em ação.
Enquanto observava meus pequenos tesouros brincando inocentemente, ao mesmo tempo, culpava e maldizia o maldito Walt Disney, porque já deixei registrado aqui nesse blog, minha revolta pelo fato dele ter glamurizado e purpurinando as relações príncipe-princesa. Sabemos que não foi ele quem inventou os contos de fadas, mas ele tem uma certa culpa no cartório em nos iludir com seus romances, isso ele tem.
Pois bem. Pensei que as minhas meninas vão crescer e ali, naquelas cabecinhas encaracoladas e semi-lisas, já está incutida a ideia de que somos princesas e temos um príncipe.
Eu podia ser radical e acabar com a infância delas, dizendo que príncipes não existem e assim eu estaria poupando futuros sofrimentos quando elas derem com a cara na parede com a sua primeira decepção amorosa.
Mas adiantaria frustrar uma infância? Eu cresci tão feliz acreditando em príncipes e princesas... Não é justo com elas.
E também, não é bem assim...
Existe uma série de coisas que eu gostaria de dizer à vocês, minhas meninas.
E muito embora meu coração, nesse momento, insista em doer quando penso num particular príncipe (des)encantando, eu direi à vocês: acreditem, príncipes existem.
Existem sim.
Não do jeito que a gente imagina, não do jeito que a gente quer. E digo mais, eles não são príncipes 100% da vida e do tempo. Porque nem nós somos princesas 100%, certo?
Mas num dado momento da vida, numa fração de segundo, quando o olhar dele cruza com o da gente, todos os músculos da face, do corpo, tremem, enquanto a gente tenta disfarçar mas não consegue parar de sorrir, quando o coração acelera tanto, bate forte que parece que vai sair pela boca, as mãos se agitam inquietas e o mundo todo fica mais brilhante enquanto as cores dele se exaltam, berrantes e sinceras, então, por um instante, ele era um príncipe.
É claro que depois ele pode virar um ogro, uma fera ou um bambi, nunca se sabe. Mas a forma como encaramos as pessoas é que diz respeito do que elas são pra nós. Num instante mágico, tudo pode ser. Como num passe de mágica, eu era princesa e ele, meu príncipe.
Príncipe não é aquele cara que vai fazer tudo o que vocês quiserem, lamber o chão que vocês passarem, que vai se negar pro mundo e se mutilar emocionalmente se vocês não quiserem ficar com ele. O nome disso é otário, ou maluco. Independente do nome, fujam desse tipo, é só dor de cabeça.
Príncipe também não é aquele cara que conquistas meia dúzia de princesas otárias e outra dúzias de bruxas disfarçadas. O nome disso é cafajeste, de qualquer forma, fujam também.
O que eu queria que vocês entendessem, minhas amadas meninas, é que o amor não é exatamente como a gente acha que é. A gente não escolhe o príncipe que vai gostar, se pudesse escolher, seria maravilhoso.
Queria lhes dizer também, que não adianta a gente se fechar numa torre, ainda que sentimental, esperando pelo príncipe ideal. Ninguém é igual a ninguém. Todos somos humanos, únicos, erramos, acertamos todos os dias. Por que esperar a perfeição? Quando a gente ama vê até graça nos defeitos.
E também, não adianta esperar que eles façam tudo, porque a gente também tem que enfrentar os dragões da vida se quiser ficar com uma pessoa de verdade e não vai ser esperando sentadas que vamos conseguir.
Eu queria dizer tanta coisa a vocês, mas eu ainda tenho muito o que aprender.
E quando o príncipe for embora, quando ele se mostrar um ogro horrível, quando a última pétala da rosa cair, quero que vocês saibam que eu estarei aqui para lhes dizer que vocês são e sempre serão minhas princesas!






sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Lívia

Duas semanas que não se falavam. Silêncio que parecia passar despercebido entre os afazeres dele e a rotina agitada que a cidade lhe impunha. São obrigações e leões a vencer, todos os dias.
Mas é verdade que as obrigações estavam mais monótonas ainda sem o celular frenético piscando, com uma mensagem dela que o fizesse sorrir. Superaria, pensou.
Mas a imagem mental não afeta tanto quanto a aproximação de fato. Imaginá-la, pensar nela, doía um pouco, mas como seria quando cruzasse com ela? Possibilidade remota, mas existia.
Foi pensando nisso no caminho, atrasou-se e quando lá chegou, não a viu. Suspirou um pouco decepcionado, mas talvez fosse melhor assim. 
Mas os olhos dele foram puxados na direção de um ponto, por um magnetismo incontrolável. Era ela. Caminhava a passos lentos, respirando profundamente o ar da manhã até que foi atraída igualmente pelo mesmo magnetismo. 
Fez-se um sorriso morno nos lábios dela e ele sentiu o coração acelerar. Batidas descompassadas fora do ritmo dos passos dela. Ela caminhava lentamente, olhando pro céu, pro chão até sorrir.
- Oi...
- Oi, Lívia.
Então chamaram o nome dela, ela balbuciou um já volto e foi se afastando. E a medida que ela caminhava pra longe, o coração dele se comprimia, em batidas dolorosas e uma sensação de perda que não sentira até então.
A saliva engrossou na boca, o nó parou na garganta e os olhos anunciavam a chegada do arrependimento. Lívia, nossa, ela era tão linda. Agora parecia mais. O ar da manhã fazia bem a ela. O perfume de morango silvestre com frutas cítricas, o olhar profundo que ela tinha. Será que ainda gostava dele?
Mas ela parecia distante, uma distância imensa, como uma madona no altar e um desvalido arrependido de toda sorte que fizera mau uso.
Distanciou-se o quanto pode, não queria que o vissem abalado, especialmente ela. Uma lágrima lançou dos olhos rumo as mãos dele. Enxugou rápido. Não pensou que fosse doer tanto vê-la.
- Tá tudo bem?
Teve suas meditações amargas cortadas pela voz aveludada dela. Ela o conhecia. Parece mesmo que sabia que ele estava chorando por dentro e agora, por fora.
- Dormi mal, meus olhos estão ardendo. Acho que é sono.
- Hum...
Ela contemplava a natureza com singular serenidade. Parecia emanar dela um imenso amor por todas as coisas do mundo. Sentia que as lágrimas subiam pelos olhos, aflitas em se lançarem em direção a ela, como que um pedido desesperado por uma faísca desse amor. Ela estava tão perto, havia tanto amor nos olhos dela quando olhava pra ele. Mas o mundo, ah, o mundo parecia mais interessante que a moça singela que Lívia era. 
Sentia-se o mais desafortunado e o mais imbecil dos homens.
Ela olhou pra ele e sorriu, sem mostrar os dentes. Parecia constrangida.
Ele, sem poder conter mais a emoção que ela fazia aflorar, disse:
- Isso dói.
- Isso o que?
- Essa distância de você.
Ela calou. Olhou para os céus, como quem busca respostas ou alguma força.
- Eu sei que dói.
- Não precisa ser assim, Lívia.
- Você quis assim, João...
- Eu sei, eu fiz tudo errado. Mas não achei que fosse doer tanto ver você.
- É só seu ego ferido.- disse enquanto buscava se esquivar mas ele segurou-a pelo braço.
- Espera, Lívia. Vamos conversar.
- Conversar o que João. - disse ela com indizível ternura e mágoa no olhar.
- Desculpa? Me perdoa, vai, por favor?
- Depois a gente conversa, João. Aqui não é hora, nem lugar.
Ela se afastava com passos firmes, o coração na mão e algumas lágrimas nos olhos que não caíam.
Ele chorava já se esconder. Viu o tempo, a oportunidade de amar e ser amado, os sorrisos dela, a risada gostosa que ela tinha, o amor que ela lhe devotava, a paz que sentia quando estavam juntos, tudo se esvaindo por entre as próprias lágrimas e se desfazendo no chão, para o sol secar. Havia jogado tudo fora. Tinha perdido a mulher da sua vida por idiotice, indiferença e falta de noção.
Doeu e a medida que ela se afastava, doía mais.

Uma cômoda para o coração - quando os sentimentos não cabem em gavetas

Ganhei uma cômoda nova. Porque a minha já tinha quase 15 anos, RG, CPF e estava pedindo aposentadoria. Gavetas que caem nos pés machucam, irritam e fazem você pensar que passar um pedaço do sábado nas lojas X talvez não seja tão ruim.
Minha mãe vivia reclamando da bagunça do meu armário. Já chamou ele de Nárnia e tantos outros apelidos que ela dava pro amontoado de roupas, bolsas, pijamas e cacarecos que eu guardava nele.
A cômoda veio organizar, aliviar. Passei uma noite de sexta tirando coisas do lugar, jogando papéis fora, me desfazendo de coisas e roupas que não serviam mais. Mais do que organização material, foi a organização emocional.
As roupas, agora, separadas devidamente em roupas de sair, roupas de trabalhar e ir pra faculdade, roupas para aulas de dança e duas gavetas escolhidas a dedo para abrigar meus figurinos de dança do ventre, entre véus, saias e strass.
A bagunça do armário cessou um pouco. Não sou exemplo de organização.
Mas eu queria mesmo uma cômoda pro meu coração. Pra organizar a bagunça que você fez quando chegou.
Felizmente, eu já me desfiz das coisas velhas, dos porta-retratos antigos, cartas lidas por dez vezes e sentimentos que já mofaram.
O problema não são as coisas velhas, nem nada disso.
O problema são as minhas coisas, tão minhas e tão bagunçadas agora.
Porque eu achei que tinha organizado tudo, que sabia separar as coisas, os fatos, as expectativas, os sentimentos, que esses dois anos um tanto mais reclusa em mim mesma, apesar dos pouco envolvimentos, que eu saberia lidar melhor se alguém bagunçasse meu coração.
Mas parece que não adianta você ficar um mês, um ano, uma vida se escondendo. Ele vai te achar, de alguma maneira, não adianta. E você vai perceber que parecia melhor mesmo ficar com tudo organizado e quietinha na sua, mas no fundo, quando ele chega, quando você vê a bagunça toda no chão, nas paredes, no coração, percebe que era isso mesmo que estava faltando.
Mesmo assim, eu me sinto confusa, porque estava tão acostumada a organizar todos esses sentimentos, e de repente, eles não cabem em gavetas.
E o medo de ter que arrumar isso sozinha existe...
Mas existe também a outra metade, que sabe que se você não tivesse feito essa bagunça toda, talvez eu não teria me achado de novo.
Porque as vezes é preciso jogar tudo no chão, pro ar, pra poder achar aquilo que tava ali, amarrotado entre as roupas, perdido nas gavetas, esquecido com os sabonetes que a gente põe no fundo das gavetas pra dar cheirinho as roupas.
Eu pensei que quisesse uma cômoda pro meu coração. Eu pensei que quisesse organizar a bagunça que você fez.
Pensei tanto e no fim eu percebi que com cômoda ou sem cômoda, com bagunça ou sem bagunça, no fundo, eu só queria mesmo você.




sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Essa menina não é uma boneca...

Achou que eu era um bibelô, um agrado da vida, como aqueles trouféuzinhos sem graça que você ganhava nos torneios de futebol do colégio, mesmo sem ter feito merda nenhuma pelo seu time.
E depois de ver que minha estética ornava bem com a sua coleção, me deixou ali, pra juntar poeira, achando que eu não fosse perceber. Me deixou ali para me olhar de vez em quando, sorrir satisfeito e pensar "é minha."
Como uma criança mimada, me colocou na sua estante, achando que eu era sua boneca de porcelana. Até o dia que eu saí andando.
Eu não sou uma boneca, nem de porcelana nem de nenhuma outra espécie.
Eu sou uma pessoa. Uma humana. E atrás do meu decote tem um coração. Você sabe o que é um coração? É o que te mantém vivo. Mas se penso um pouco, não sei mesmo como algumas continuam vivas, porque parecem que não tem coração.
Eu tenho olhos grandes e bonitos, é verdade, sem falsa modéstia. Mas eles não são de vidro, resina, cristal. São olhos que veem a indiferença de longe, que observam mais do que as retinas podem captar. Olhos que se intimidam, fixos num ponto, quando uma lágrima vem a tona e as pálpebras se comprimem, beijando-se molhadas, pra me fazer enxergar um nevoeiro depois. 
Eu tenho cabelos, brilhantes e macios porque eu cuido deles. E quando eu entrelaço meus dedos neles e levo-os até o nariz, é um sinal. Mas talvez você não tenha sensibilidade para interpretar sinais.
Tenho uma boca, que fala mais do que deveria. Mas que se fecha em silêncio, porque você não merece minha palavra.
E os meus pés, que você achou que fossem se manter fixos num ponto, esperando por você, eles me conduzem pelas belas estradas floridas, por onde eu caminho, com esse coração que bate forte no meu peito, alçando com o olhar um horizonte de esplendor, da liberdade de amar sem prender, de libertar pra viver.
Eu não fiz nada. Só me retirei, porque a gente sempre sabe quando é a hora de sair. Eu saí, com cuidado, você não notou a minha ausência. 
Mas quando meu coração bateu forte, você ouviu de longe, e quando o brilho do meu sorriso irradiou pela estrada, você quis saber porque.
Olhou na sua estante, eu não estava mais ali. Dos amontoados de corações que você coleciona, não havia lugar pra mim.
Eu não nasci pra ser coberta por um véu de poeira. O único véu que vai cobrir minha cabeça um dia, será um branco de renda francesa, o dia que eu entregar meu coração pra alguém que não vai aprisioná-lo nem fazer dele um troféu barato.
Você achou que eu tinha cara de palhaça. Mas quando eu fui embora, foi você quem ficou com o nariz vermelho.
É...Essa menina não é uma boneca. Essa menina é uma mulher.





domingo, 13 de janeiro de 2013

Desabafo sobre iogurtes, bundas e prazeres perecíveis

Isso é uma coisa que me entristece ainda. É como se eu estivesse andando num corredor de um supermercado onde os iogurtes estão com a data de validade ali, no bico, tipo: vence amanhã.
Hoje, não consigo entender essa preferência, esse gosto que as pessoas tem por prazeres perecíveis.
Sei que a palavra prazer e perecível parecem mesmo ter uma correlação, mas eu não acho que elas tenham que caminhar juntas, sabe. Tá, tudo no mundo é perecível, inclusive nós mesmos. Mas tem coisas que são  como iogurte fora da geladeira, azeda mais rápido sabe.
Os relacionamentos estão cada vez mais "iogurtes fora da geladeira". Sim, nesse mundo egoísta que vivemos, parece que a maioria dos relacionamentos tem data de validade, como, "até que meu umbigo nos separe", mas poxa, será que precisa ser absolutamente tão raso?
Dá pra ser um pouco menos superficial? É, eu sei, é mais legal ter uma bunda pra cada dia semana... É mais legal mesmo? Não, mano, para com isso, não é. Não dá pra ser mais legal ter um monte de bundas e nenhum coração, sabe. Não pra sempre!
Tá, fodam-se, eu acredito que existem pessoas no mundo, que claro, pensam em bundas, mas pensam também no que vai ficar quando a minha bunda cair, sabe.
Isso me broxa tanto que as vezes eu tenho vontade de passar o resto da minha vida em celibato moral. É, isso mesmo. Eu me permito recusar seu convite pra sair, o dele e do outro se eu perceber que eu sou apenas mais um prazer perecível na sua vida. Não tô querendo ser falsa moralista, mas cansa você conhecer um monte de gente, sair, conversar e tal, e perceber que, putz, vence amanhã.
Não, eu não quero um pai pros meus filhos agora, nem o amor pra vida eterna, mas eu queria ser mais do que a foto da mina gata, modéstia bem a parte, que você vai mostrar pro retardados dos seus amigos e vai dizer: Peguei.
 Mas, às vezes, eu paro e penso que eu quero ser mais que "semana passada", "ontem" ou " a gente se fala". Não me contento mais com esse monte de migalha que sobra quando a gente corta o pão. Eu quero inteiro, tudo.
"Que atire a primeira pedra quem nunca teve prazeres perecíveis". Sim, caros, todos tivemos, e por vezes temos, mas vai de nós escolhermos se isso será uma constante em nossas vidas. Cabe a nós, decidirmos se vamos trocar blocos sólidos de concretos por miseráveis castelos de areia que vão ruir na primeira marola mais abusada que vier.
A vida não é um eterno rala e rola, sabe.
Não me acho melhor que ninguém pra ficar cagando regra de como as pessoas devem agir, de como é melhor ser, quem é o cara ideal pra mim. Se eu soubesse, não tava aqui, pensando sobre tudo isso.
Eu só tô com o saco (que eu não tenho) na lua de ficar comprando iogurte que vai vencer amanhã!!! Eu posso querer que meu iogurte dure mais? É crime eu me apaixonar e pedir, Deus, quero um iogurte pra vida inteira? Posso pedir: fabricantes, estendam o meu prazer de ter um iogurte que vá me fazer feliz hoje, amanhã e quem sabe até o fim dos meus dias?
Será tão impossível, tão árduo, a gente encontrar um coração assim, que acelere o nosso, acelere por nós, que queira estar junto, que não dê prioridade pra tudo aquilo que está condenado ao lixo no dia seguinte? Não. Não é possível que seja assim. Eu me recuso a acreditar nisso.
O tempo passa, hoje a gente tem 20, amanhã 30, 40, 50 e quando for ver, passou a vida comendo iogurte vencido, sem nada no coração pra alimentar a alma, sem nada mais sólido pra construir uma vida mais feliz do que essa escrotidão azeda que a gente viveu por tanto tempo.
Amigos, bundas caem, iogurtes azedam e a vida passa.



quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Balas de iogurte

Estava cansada demais para prestar atenção no ambulante que, resignadamente, oferecia balas para quem acreditasse que ele era apenas um pai de família que tentava por comida na mesa. Até que os olhares se cruzaram e contato visual é uma coisa que prende a gente. Ela observou-o, olhos cansados de quem dormiu mal e pouco, sulcos num rosto envelhecido pelas rudes provas da vida e uma humildade imensa, que o ajudava a segurar seus saquinhos de balas de iogurte com toda dignidade que ainda lhe restava. Ela sorriu. Ele sorriu de volta. E por um instante pensou que era uma tremenda egoísta. O moço percebeu e disse:
- Tem problema não dona, só o sorriso da senhora valeu já.
Num instante, enfiou as mãos na bolsa e tirou de lá uma nota de cinco reais. Providencialmente esquecida fora da carteira para uma situação como essa.
Entregou a nota para o moço das balas, que sorriu constrangido, enquanto ela levantava-se para descer no próximo ponto, sorrindo de volta.
- Ih, moço, meu sorriso não vale muita coisa, não...
O ônibus parou e ela desceu.
- Deus te abençoe, moça.
- Amém.
A cidade se agitava e já passavam das sete da noite. Ela caminhava com algum peso no coração. Tinha um emprego que não fizera muitos sacrifícios para adquirir, o pai tinha bons contatos, e muito embora não fosse o emprego dos sonhos dela, lhe provia o necessário para gastar com suas futilidades. Tinha um apartamento seu, ignorava a palavra aluguel ou dívidas, pois tinha luz, água e tinha uma cama pra lá de confortável. Aos finais de semana, saía em qualquer bar mais requisitado mostrar seu poder aquisitivo para um bando de amigos desleais, que não costumavam ligar nos domingos de ressaca para ver um filme, ou conversar sobre qualquer coisa mais sólida. Tinha um carro que, naquele dia, ficara na garagem por conta do rodízio, por isso fora forçada a andar de ônibus e se deparar com a constrangedora figura do pai de família que vende balas nos ônibus para sustentar uma vida digna.
Solidez. Sentia-se vivendo uma vida de areia, onde os sonhos desmoronavam dia após dia. Mas a quem culpar?
A culpa era sua. E do seu egoísmo que a fazia transportar nas costas frágeis de valores mais íntegros sonhos fúteis e com prazo de validade.
A lágrima presa nos olhos se jogou pra dentro do luxuoso apartamento assim que ela abriu a porta. Sem se lembrar direito, como entrou e trancou a porta, jogou-se no sofá, enquanto uma enxurrada de decepções consigo mesma escapava-lhe pelos olhos. Depois de chorar o tanto que precisava, debruçou-se na varanda e ficou olhando o movimento. Mais adiante viu ele, o vendedor de balas de iogurte, encontrar uma mulher com uniforme branco, aparência cansada, mas um imenso sorriso no rosto. Ela segurava pelas mãos uma linda menina de cabelos encaracolados com uniforme de alguma escola ou creche. O vendedor abraçou as duas e retirou do bolso um pacotinho de balas que foi recebido com abraços e beijos pela garotinha.
No ponto de ônibus, os três conversavam sobre algo que lhes faziam sorrir, enquanto a menininha, de mãos dadas com os dois saltitava ignorando toda rotina cansada que tivera seu paizinho, vendendo balas para moças egoístas e sua mãezinha, auxiliar de enfermagem que varava plantões para poder dar a filhinha uma vida mais digna, com estudo e o mínimo de conforto. O ônibus chegou lotado. Os casal se entreolhou com um sorriso forçado. O pai carregou a filhinha nos braços e a esposa sorria atrás, levando a mochila da pequena e toda resignação que uma alma boa tem em si.
Num instante, o apartamento no bairro nobre, o carro do ano, os amigos de bar, as noitadas, as maquiagens e roupas caras, as viagens internacionais, tudo virou cinza. Nada fez mais sentido.
Sentiu um imenso vazio. Olhou para as balas de iogurte caídas em cima da mesa. Tinha tudo, mas não tinha nada. E aquela família que a duras penas sobrevivia com dignidade na selva de pedra tinha muito mais. Amor. Era aquilo que lhe faltava.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Sobre seis bilhões de pessoas no mundo, sapatos e pés descalços

Lembro-me bem do dia em que, sentada na mesa do distante apartamento em São Bernardo, frente a um prato com míseros restos de um yakissoba a la China Inbox que havia sido devorado com a ferocidade alimentícia que me era familiar naqueles tempos, ela me dizia a frase que eu tatuaria na minha testa, escreveria no meu espelho e estamparia no coração:
" Gabi, seis BILHÕES de pessoas no mundo! Sabe, seis BILHÕES, não é possível que precisa ser aquela!Não é possível que a gente vá passar o resto da vida sofrendo por aquela!".
Ela estava certa. Na hora que ela disse, senti um choque, um baque. E é claro que não fiz disso a resolução da minha vida em apenas dois dias.
Mas essa frase, dita entre lombinho com alho, biscoitinhos da sorte e confissões de duas amigas que muito se parecem, mudou minha maneira de encarar o mundo.
Eu repetia sempre "ninguém é insubstituível". Mas eu não acreditava muito no que eu falava. Falava porque queria me convencer daquilo, por mais impossível que parecesse no âmbito amoroso o qual eu me encontrava.
Confesso que passei 2012 digerindo essa famigerada ideia que eu insistia em compartilhar, mas não acreditava num todo. Lá no fundo eu tinha uma sensação meio amarga de que certas feridas nunca virariam cicatrizes. Mas nada como o tempo, a compreensão e os novos hábitos.
Passar 2012 digerindo isso implicou numa certa reclusão amorosa. Distante, eu queria entender esse conceito de Seis Bilhões de pessoas que me rodeavam.
Você, caro leitor, que é sedento por uma bela bunda no calçadão da praia e que só vê peitos em vez de cérebro, vai se deliciar pensando nisso. E por um certo lado, você está coberto de razão. Existe uma infinidade de bundas, peitos mas sobretudo, corações, sorrisos, gargalhadas, toques, cheiros para serem descobertos além daquilo que já conhecemos. Eureka!
Hora de guardar os velhos cadernos. Hora de comprar um novo, com aquele cheiro gostoso que só coisa nova tem. Não menosprezemos os antigos, só sentimos necessidade do novo. Porque virar a página de um mesmo caderno não adianta. Tem que se reinventar!
Sabe, não precisa ser aquele. Numa comparação esdrúxula, você não precisa ser tão teimosa como quando vai comprar um sapato e se não tem o seu número, você faz bico, manha, birra e roda a cidade atrás do maldito sapato. E diz pra si mesma " Se não for aquele, não quero nenhum!"
Você olhou na vitrine para ver quantos modelos tem além daquele maldito sapato? Pare de se concentrar num sapato que não serve em você. E não queira servir em alguém a qualquer custo. Eu sei que comparar as pessoas com sapatos pode não ser muito emocionante nem agradável da minha parte, mas tenho certeza que deu pra entender.
Acho que mais do que isso, não adianta insistir em sapatos quando a gente não sabe andar descalça.
É uma questão de auto-conhecimento, que vem antes de qualquer Felizes Para Sempre que possamos supor.
Eu escrevi esse texto, pensando em tudo isso, nessa minha mudança e pensando em você, que tá aí, brigando com Deus, com o mundo porque um sapato não te serve. Hey, colega, eu já fui assim sabe...
É claro que a gente acha que vai morrer quando termina uma longa/intensa relação, é claro que a gente acha que ninguém mais vai nos fazer sorrir nessa vida como aquele malfadado Loubotin vestido num corpo de homem que você quer esquecer.
Mas deixa eu contar uma coisa pra você: passa. Vai passar, pode ter certeza.
E quando você perceber, aceitar e sentir no seu coração que passou, quando você se conhecer melhor, sentir segurança em andar descalça, vai sair por aí, pensando nas seis bilhões de Hawaianas, Congas, Crocs e o que mais for que vivem por aí, cheia de coisa interessante pra te contar, te mostrar ou até, quem sabe, encontrar um belo par de pés descalços que vai  caminhar ao teu lado na praia, fazendo pegadas na areia, sentindo a água gelada do mar numa manhã feliz, enquanto o Sol renasce todos os dias pra nos dizer com mais simplicidade e pureza de que todo dia é dia de renascer.





domingo, 6 de janeiro de 2013

Minha menina...

" Não quero me prender, sabe". Mas enquanto ela dizia isso, via seus olhos brilhando no contrassenso da sua alma dançante, do seu coração que palpitava perto do meu e do sorriso que ela dava quando eu a enlaçava pela cintura e dava uma piscadinha.
Você já estava presa, por livre e espontânea vontade, meu bem. Eu vi quando seus olhos pediram que eu te segurasse, enquanto você se esgueirava, tentando se desvencilhar de mim, numa gargalhada gostosa, de quem se contradiz o tempo todo, porque quer e sabe disso.
E você me olha com seus grandes olhos de boneca assustada, eles me analisam, me engolem e me buscam para algum lugar que eu nunca estive. Você procura alguma resposta no meu silêncio, ri sozinha, você acha que eu não percebo sua quietude indagadora, quando você olha para as estrelas e então olha pra mim?
Você é linda, sabia?
E faz careta quando eu te elogio. Me chama de bobão. E a gente ri, ri tantas vezes de tudo, de todos, de nós mesmos, tanto quanto for possível.
Falamos dos sóis que nunca vimos, das coisas que não explicamos, ou de qualquer particularidade da vida que nos torna cada vez mais próximos.
Esperei a semana inteira pra ver você feliz em me ver. E isso me faz feliz por nós. Quando a gente caminha em silêncio de mãos dadas pra ouvir o som da natureza e você diz que ama o cheiro de jasmim. Respira bem fundo e me diz como uma criança feliz "Olha, não é uma delícia?".
Eu vou cobrir você de jasmins, meu bem, numa cama feita de grama molhada, num dia de calor, pra refrescar seu coração dos medos, dos anseios e de tudo que te assusta.
Eu estou aqui. E estou aí. A gente fala a mesma língua, sonha os mesmos sonhos, ainda que diferentes por um lado.
Deixa de besteira, não vou fugir de você. Você não vai sair de mim. A gente vai seguir assim, lado a lado. E seja o que Deus quiser, minha menina.