terça-feira, 12 de março de 2013

Grampos, shampoo de camomila e o medo

Ela deixou três grampos na pia do meu banheiro. Um shampoo de camomila aberto no box, fios de cabelo dela por toda parte e um vazio estranho que não tinha sentido antes.
O cheiro do perfume dela ficou no meu lençol, naquela minha blusa branca que ela vestiu pra dormir e no meu nariz. Parece que não passa. Volta e meia sinto o cheiro dela.
O eco da risada dela tá presente aqui por esses dias. Nunca pensei que uma risada fosse deixar tanto eco e ao mesmo tempo, tanto vazio aqui dentro de casa e dentro de mim.
Ela se meteu a fazer rabanadas de café da manhã e quase queimou tudo. Eu comi rindo e falando que era melhor ela aprender a cozinhar senão nada feito. Então aquele sorriso imenso foi desmanchando e ela olhou pra baixo. Achei que era brincadeira dela, sorri e pedi pra ela olhar pra mim. Ela levantou aqueles grandes olhos hipnóticos que só ela tem e eles tinham um brilho triste. "Juro que um dia eu acerto", disse ainda sem graça pela sua tentativa frustrada de me agradar. Puxei ela pro meu colo, soltei os cabelos claros daquele coquinho que ela insistia em fazer sem nada que o prendesse, olhei bem e disse.
- Eu vou saber esperar.
Diversos pensamentos me tomam quando penso nela. Ela me dá um medo que só. Olha pra mim e devora minha alma com o olhar. E se eu me perder pra sempre nesse olhar? Tento me conter as vezes, mas o sorriso que emana de mim quando ela tá distraída, olhando pro nada ou cantarolando baixinho e nem percebe que eu tô olhando pra ela, isso é uma das coisas que eu não consigo disfarçar.
Fez uma semana que não a vejo, mas a presença dela aqui é algo real demais.
Sinto saudades de ouvir ela contando de todas as coisas que já viu. De como ela parece resgatar imagens, sons e memórias e depois guardá-las numa caixa segura, porque a vida sempre continua, ela disse. Sinto falta daquele jeito que ela me pede pra deitar mais perto, ou quando pergunta se meu braço tá doendo porque ela tá deitada nele. Da concentração que ela passa delineador ou rímel, aprendi o nome dos dois, mas não sei qual é qual. Ela parece uma artista, minha jovem menina Monet enquanto se pinta. Segura aquele pincel de ponta muito fina e passa bem rente ao cílios  Minha Cleópatra, eu disse, ela sorriu e disse que eu era Marco Antônio, mas que queria um final feliz.
Volta e meia ela cheira meu pescoço e mesmo quando acho que meu perfume já saiu, ela continua ali. Nariz na minha pele, me causa uma porção de arrepios. Daí ela me morde e solta uma gargalhada farta, a mesma gargalhada que ela dá quando me belisca com o pé. "Nem dói, vai", ela disse rindo da última vez que eu reclamei dos "peliscos" como ela diz.
Fico pensando em todas essas coisas, ainda consigo ouvir ela pedindo pra eu acender a luz do corredor.  Fecho os olhos e vejo ela dormindo serena. Ela abriu os olhos devagar e ficou me olhando, sorrindo sem mostrar os dentes. Fechou os olhos com calma e voltou a dormir. Continuava sorrindo. Senti um medo estranho de repente. Medo maior do que esse de me entregar de vez. Medo maior do que ter minha vida invadida por ela. Foi um medo dolorido, desses que dói bem no fundo quando a gente pensa nele. E percebi que tenho medo de ficar sem ela. Mais do que todos os medos bobos, esse me pareceu bem real.
Me revirei algumas vezes ainda, quase não dormi direito.
Acordei com aquela sensação de vazio. Na cozinha não tinha rabanada, no banheiro, só os grampos e o shampoo. E no meu coração, a presença dela.
Será que vai demorar muito pra ela voltar?

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