quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Emma e o menino Jesus

E assim retornou, Emma, ultrajada e vilã. A senhorita de todas as discórdias e ainda ouso dizer que não há vítimas em nenhuma história, senhoras e senhores. O vilão é um incompreendido, um caso mal contado. Por que a bruxa se tornou má? Somos todos ruins em essência?
Recuperou-se aos haustos, respirando com gosto ainda amargo na boca. Esses medicamentos e agulhas, por Deus, a medicina poderia doer menos e ter um gosto mais agradável, talvez menos doce. Estômago é para os fortes da vida. Ofendida nas fibras mais íntimas, recém nascida, renascida.
 No quarto de Madame Bovary não há nada mais que lhe pertença. Talvez haja uma oração, assim como há um lugar nas preces dela para todos aqueles que a fizeram chorar. Rezou, dias e as noites mal dormidas. Pediu paz para seu próprio espírito. Que o perdão lhe viesse a galope, nas asas de um cavalo alado, trazido por um anjo bom. Que o menino Jesus pudesse lhe sorrir, quando se sentia a última das condenadas. Não era ruim, mas disseram-lhe que era perversa, mal amada e irresponsável.
O menino Jesus chegou. Acolheu Emma nos braços. Ela chorou sentidas preces nos braços Dele. Ele sabia, não havia culpa naquele coração, nunca houvera maldade ou inconsequência, só uma menina assustada, tentando acordar de seus temíveis pesadelos. Confessara crimes sem tê-los cometido. Era a inquisição para ela. Chorou sua fraqueza, pediu para que Ele jamais a abandonasse.
Em seus momentos mais dolorosos, foi Jesus quem segurou Emma nos braços, que enxugou-lhe as lágrimas, que pediu calma e perdão. Nas últimas noites, mal dormidas por conta do mal estar orgânico, das infecções na garganta e do cheiro ruim que sua própria boca exalava, Emma rogou ao menino Jesus. Instantes depois, adormeceu como um anjo.
O menino Jesus havia saído, confiante na boa recuperação de Emma. Atrás da moça risonha, havia uma mulher calma e serena, atrás dos gritos e choros, havia paz, havia confiança.
Emma acordou. Havia sonhado com Jesus. Sorriu para si mesma a primeira noite dormida com mais tranquilidade. No sonho, Jesus ainda se fazia menino. Uma criança entende a outra. Sentiu-se calma e orou por todos aqueles que só veem maldade, problemas e mágoas. Aqueles que as palavras rudes tornam-se flechas lancinantes, rasgando corações, trazendo a culpa maléfica ao espírito, o arrependimento doentio, sem nada a acrescentar. Pediu que sempre pudesse haver brandura nas palavras, especialmente nas dela, pediu que o menino Jesus, que via na mulher Emma a menina que ainda era e sempre seria, pudesse guiar os passos de todos aqueles que a fizeram chorar. E que Emma jamais fosse motivo de choro ou ranger de dentes entre as pessoas. Dos erros, já bastavam os do passado.
Emma agradeceu a Jesus mais uma vez e dormiu sem ter nenhum pesadelo. Nunca mais.

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