quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Castelos de areia

Você disse que precisava ir embora, eu te acompanhei até o carro. Num sorriso gentil você se despediu de mim. Fiquei com seu cheiro cítrico no meu nariz e voltei pro bar, só pra entender o porque de tudo isso.
Sentei e o garçom viu que voltei sozinho, desmotivado, sorriu e me disse.
- Não foi dessa vez, amigão!
E eu, como se não tivesse nem ânimo pra responder, cerrei os lábios e levantei as sobrancelhas, numa tentativa tosca de comunicação. Ele logo entendeu e me trouxe uma cerveja. Depois, duas, três.
Pensava enquanto conversávamos que você não ia aceitar meu convite, mas você veio mesmo. E enquanto você me contava da sua vida pensei que um dia você me amou, Clarice.
E quando pensei nisso, o bar todo ficou cinza, seu sorriso ficou mais claro e senti um gelo imenso que nasce do estômago, sobe pelo peito e chega a sufocar na garganta.
Você me amava, Clarice. Amava sim, porque eu a vi chorar tantas vezes por minha causa e eu vi seus olhos me pediram sinceridade tantas vezes e eu, eu fui o mais completo de todos os idiotas.
E quanto mais você me contava da sua nova vida, eu tinha mais noção do quanto de tempo eu perdi, do quanto de você eu perdi. Você mudou de profissão, de emprego, de roupa, de tudo. Mas esse seu jeito de olhar pra cima procurando uma resposta pra tudo, esse seu jeito de suspirar fundo e sorrir devagar depois, essa sua maldita gentileza comigo, depois de tudo que aprontei com você, isso me aniquila aos poucos e eu sinto uma vergonha imensa de mim, de você, do mundo.
Será que você já era essa mulher estupidamente fascinante quando nos conhecemos? Por que eu não via isso?
Você se levantou, foi ao banheiro e no fundo do meu coração mesquinho eu tinha esperança de que você trouxesse alguma esperança de lá.
Mas nada. Você brinca, ri e faz piada do que fomos um dia, como se fossemos bons amigos, como se tudo o que vivemos tivesse sido uma história adolescente. Seu sorriso altivo é uma prova clara que você me superou, que você me venceu. Você ganhou, Clarice e sabia o tempo todo que ia ganhar.
Quando olho essa luz que emana do seu jeito alegre de me contar as coisas, de me perguntar de tudo, fico pensando o grande bosta que eu sou por já ter feito uma mulher como você chorar e sofrer.
Fico pensando se eu tivesse sido mais sensato, se eu tivesse entendido o seu amor, a sua devoção por mim, estaríamos nesse mesmo bar, mas a sua cadeira estaria ao lado da minha, minha mão encostada na sua, e o seu cheiro cítrico impregnado na minha camiseta. Você ia rir pra mim, como você costumava rir sempre, ia perguntar se podia dirigir meu carro, depois ia me amar como se eu fosse o último e o mais lindo homem do mundo, depois íamos ouvir música, falar do mundo, das constelações e nas influências planetárias que me trouxeram até você.
Eu seria capaz disso hoje, Clarice. Eu seria capaz de amar você, de entrar na sua dança dos sete véus, de me perder na sua cama apertada, de apertar seu rosto contra o meu, de enxugar qualquer lágrima sua dizendo que eu te amo e te amarei, se você permitir.
Mas não há permissão pra pessoas como eu. Não há volta, segunda chance, porque eu perdi tudo. Perdi a ilusão, perdi quem eu era, quem eu poderia ser e nessa minha vida tosca, sem graça e dolorida, perdi você. Dos meus maiores enganos, da minha cegueira ilusória mais profunda, não ver que você estava ao meu lado, tentando construir nossa história enquanto eu desmoronava seus castelos de areia, sonhos e amor com a minha frieza, com aquela coisa que eu achava tanto que ia dar certo, mas Clarice, você sempre esteve certa.
Bebi demais e confesso que queria ter me enterrado com todos os castelos teus que eu destruí quando te liguei bêbado naquela noite, pedindo pra você me buscar.
Numa risada sem graça, você me respondeu.
- Se você quiser, Ulisses, eu e o Bernardo podemos ir buscar você...
Clarice, maldita hora que te perdi, maldita hora que destruí teus castelos de areia...

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