quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Chuva

Ainda chovia quando saiu do trabalho. As gotas grossas que caíam do céu encharcavam os transeuntes que ousavam sair sem guarda chuva, julgando que era uma garoa passageira.
O ponto estava lotado, mentalmente ele procurava um lugar debaixo do toldo, antes de atravessar a rua e chegar até lá.
Escondeu a cabeça com o casaco, atravessou no sinal amarelo, quase foi atropelado por um motoboy e finalmente chegou num pedaço do toldo reservado a ele.
Não queria olhar as pessoas nem ter que sorrir forçado pra qualquer desconhecido que lhe dissesse "que chuva!". Era óbvio que estava chovendo, era óbvio que estava molhado e nenhuma conversa num ponto de ônibus podia ser agradável naquela circunstância. Passaram três conduções lotadas. Na quarta se aventurou a entrar e quase perdeu um pedaço da jaqueta na porta. Foi amontoado no meio da multidão, que buscava um lugar pra se segurar.
Tudo aquilo o incomodava, apesar de estar deveras acostumado a essa rotina de chuva. Mas nesse dia especificamente, incomodava mais. Algo doía que não as gotas da chuva, parecia que o céu chorava e ele se sentia triste. O trajeto até o ponto próximo da casa durou quase uma hora e meia. Quando desceu, enfiou o pé numa poça de água suja e saiu esbravejando por dentro a maldição de ter esquecido um guarda-chuva. Chegou em casa pingando, escorregou na porta do elevador de serviço, comumente usado por todos condôminos nesses dias. Olhou-se no espelho e desviou o olhar. Não queria olhar pra ninguém.
Entrou em casa, arrancou a roupa, e foi pro chuveiro. Um banho quente certamente lhe traria paz.
Mas embaixo da ducha, com a água a lhe esquentar os poros arrepiados, ainda sentia algum incômodo. Pensou um pouco, sentiu-se triste, talvez fosse a chuva, o tempo. Ele detestava dias cinzentos.
De repente, entre divagações sobre a vida, o trabalho e os dias, uma dor aguda fez-lhe conter a respiração. Mas não era dor no corpo, dor no peito, era dor na alma. Daquelas dores que só as agulhadas da saudade são capazes de provocar. Dor sufocante, que prende choro na garganta como uma pedra pra depois cuspi-lo em desespero.
Começou a chorar quando lembrou-se dela. Fazia dias que não se falavam. Ela era muito certinha, queria uma resposta e ele não sabia bem ao certo o que era tudo aquilo. Sentia-se inseguro, mas como expressar, como dizer?
Não pensou que a figura dela fosse lhe provocar tanta tristeza e esse misto de sentimentos intraduzíveis e incoercíveis que debandavam da sua alma para os olhos.
" Eu queria mesmo dizer que vou conseguir, mas eu não posso viver assim". A imagem dela dizendo essas palavras soavam como apunhaladas dadas por ele mesmo no próprio coração. A rotina, a vida, os amigos, a distância e as outras mulheres apagariam a imagem dela em semanas. Mas, de repente, ele descobrira que ela era mais importante do que a importância que ele havia dado a ela desde que se conheceram.
Miriam. Como se apresentava linda agora diante de seus olhos cobertos por lágrimas. Sentiu frio no corpo mesmo debaixo do chuveiro quente. Será possível a gente descobrir que ama alguém assim?
E por que tinha sido depois? Porque não lhe dera valor, amor, porque não a reteve em seus abraços, em seu abraço, em sua cama enquanto ela cruzava estradas, mares e vencia o amor próprio ferido por ele, para encontrá-lo, porque ainda não se dava por vencida, mesmo diante de tanta insegurança e falta de resposta.
" Não desista de mim, Miriam..." pensou alto durante o banho. Quase uma semana sem falar com ela, talvez ela ainda o quisesse ver.
Saiu do banho sem tirar o sabonete do corpo como deveria. Se enxugava enquanto pegava o celular.
"Nunca liguei pra ela..." pensou com algum remorso. Mas arriscou.
Ligou e o coração parecia que ia se lançar e segurar o telefone, dizendo " Miriam, atende logo, fala comigo, por favor!".
Mas o telefone chamou, chamou, chamou e quando ele já se dava por vencido, fez-se ouvir uma voz.
- Sua chamada está sendo encaminhada para a caixa de mensagens...

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