segunda-feira, 2 de abril de 2012

A menina que costurava corações


Era uma vez uma menina de olhos muito lúcidos e verdadeiros que andava por aí.
A menina achava que Deus havia lhe delegado uma função: costurar corações alheios.
Ela via alguém ali, triste, sofrendo e tinha a nítida impressão que aquela pessoa estava ali, só esperando sua linha e sua agulha certeira.
Costurava, remendava, consertava corações. Era isso o que ela fazia de melhor.
Não.
Não era isso o que ela fazia de melhor.
A menina percebeu que essa ideia de remendar o coração alheio não dava muito certo. Porque daí, quem ficava com o coração em pedaços e os dedos furados da agulha impiedosa, era ela.
Então, a menina andava por aí, com os dedos e o coração sangrando. E mesmo assim ainda acreditava que sua missão era costurar os corações despedaçados.
Até que um dia um anjo apareceu para ela e disse:
" Bem amada, preciso que vá até aquela casa lilás, pois ali há alguém que necessita da tua agulha e dos teus pontos certeiros".
Ansiosa pela mensagem do anjo, a menina pegou as agulhas e as linhas mais bonitas, arrumou-se e foi até a cada lilás, esperando encontrar lá o bem aventurado de sua vida, que teria o coração costurado por ela. Assim ele lhe seria grato e ambos viveriam juntos e seriam felizes para sempre.
Ao chegar na casa lilás a menina bateu.
Ninguém abriu.
Bateu mais uma vez e nada.
Então, ela decidiu entrar.
Girou a maçaneta, foi entrando devagar. Não havia nada na casa. A sala estava vazia. Havia apenas um grande objeto, de altura significativa, coberto por um pano.
A menina aproximou-se, puxou o pano e para sua surpresa ele estava ali: um grande e belo espelho.
Observando seus olhos fundos e melancólicos, sua expressão triste, seus dedos machucados e o coração sangrando, a menina começou a chorar.
Ajoelhou-se frente ao espelho, derrubando a caixinha com as agulhas e as linhas, como se mais nada daquilo fizesse sentido.
No instante de suas lágrimas copiosas, o anjo apareceu. Ajoelhou-se junto dela e disse:
" Entende agora quem precisa ter o coração costurado?"
Ela levantou os olhos cheios de lágrimas e afirmou "sim" com a cabeça.
" Não chores, minha menina. Sei que ao vermos alguém com o coração despedaçado, nós temos ímpetos de ajudar essa pessoa, remendar-lhe os pedaços, fazê-la feliz, especialmente, minha pequena, se esse alguém nos é caro ao coração. No entanto, não acredite que Deus, na sua infinita bondade, daria a vós um fardo tão pesado de viver colecionando angústias alheias sem que pudesse compreender as vossas. Aceita, filhinha, que a cada um é dado segundo suas obras, Deus é justo e só dá aquilo que podemos suportar. Não tome o fardo alheio para si. Ajuda, sempre que necessário, mas entenda, não podes costurar todos os corações do mundo. Se um dia almejas auxiliar os teus com os teus pontos certeiros e amorosos, procura primeiro juntar os pedacinhos do teu coração. Aprenda com teus erros, aprende com as tuas tristezas, fortalece seu coração para que ali, mais adiante, possa amparar o coração do outro. Acaso podes tu, com as mãozinhas machucadas, com os dedos sem nenhuma firmeza costurar, espetar a agulha com destreza no coração de alguém? Pois então, meu bem. Entende, todos temos as nossas provas. E se quisermos ajudar, devemos estar com o coração em ordem, bonito, bem arrematado e sereno."
Desse dia em diante, a menina passou a olhar para seu coração, entendendo quais as linhas mais adequadas para juntar os próprios pedaços. Por mais difícil que fosse, ela guardava no íntimo as doces palavras do anjo bom, compreendia que cada um tinha o seu próprio coração e que ela, agora, ia cuidar do dela.

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