domingo, 9 de janeiro de 2011

Já passou da hora de partir

O que mais doeu em Lívia quando ela desligou o telefone foi perceber que ele esteve o tempo todo ao seu lado, aguentando e levando aquela situação tão desconfortável com a candura de um anjo, que só ele tinha. O que mais doeu foi perceber que ele sempre esteve tão perto e agora não era apenas a voz dele que estava tão distante. Era seu coração. Estava a mil milhas dela.
Mas Lívia não aceitava e com a teimosia de uma mula tentava com todas as suas armas trazê-lo de volta pra si. Queria que ele fosse seu mais uma vez.
Mas o que Lívia jamais entendera era que ele nunca havia sido seu. Porque as pessoas não são nossas. Elas podem dar-nos o seu amor, mas não assinam contrato de posse quando dizem que nos amam.
Lívia ignorava todos os indícios, apesar da decepção de si própria doer mais que qualquer coisa. Esqueceu-se do amor próprio, jogou-o no lixo, decidiu que o traria de volta, custe o que custasse.
Então ela infernizou a vida dele durante dias. Mandava-lhe cartas, bombons, flores, ligava como uma doida. E ele, sempre calado, sem esboçar uma reação mais palpável, afinal ele não queria ferir o coração de Lívia.
Quanto a ela, não queria nem saber se aquilo era desconfortável pra ele. Mais uma vez ele só pensava em si mesma, sem contemplar ao menos o que ele sentia. Foi numa tarde ensolarada que Lívia decidiu aparecer na casa dele de surpresa.
- Henrique! - gritou enquanto buzinava na frente do portão.
Ele saiu, estava arrumado e perfumado. Por um instante ela achou que aquilo era obra do destino.
- Podemos conversar?
- Entra, mas não posso demorar muito.
A sala da casa dele parecia mais bonita, tinha flores pelos cantos, havia sido pintada de uma tonalidade mais clara que permitia que toda a luz refletisse pelo cômodo, trazendo uma sensação de paz.
- Sua casa está bonita. Não estava assim da última vez que entrei aqui.
Ele sorriu e sentou-se, esperando, pacientemente que ela vomitasse as palavras nele.
- Henrique, olha, eu sei que é difícil pra você, mas eu amo você ainda. Eu sempre amei. Não posso mais ficar longe de você, por favor, me perdoe, vamos recomeçar! Não seja tolo como eu fui, olhe pra mim, estou aqui, diante de você, nunca mais te deixarei.
Ele permancia calado.
- Você não vai dizer nada? Por favor, Henrique, vamos recomeçar. Eu sei que errei com você, mas você sabe, trabalho muito, sou uma mulher de negócios, tenho que tocar minha vida. Mas agora eu quero você do meu lado!
- Agora? Agora você me quer ao seu lado? Interessante.
- Por favor, Henrique não faça essa cara!
- Cara nenhuma. Só acho que você continua egocêntrica. Acha que é assim, que eu sou como um brinquedo, que você usa, depois guarda no fundo do armário e brinca quando quiser?
- Não, Henrique, não é assim! Só não quero que você seja tolo como fui tola com você... Hoje eu percebo.
- Acontece que hoje eu percebo outras coisas. Você demorou pra perceber que eu estive o tempo todo ao seu lado. Você não cuidou do meu coração como deveria, você mal quis saber como eu estive me sentindo esse tempo todo. Mas o mundo da voltas, muitas voltas. Olha, Lívia, eu não quero ferir você com minhas palavras e nem tenho coragem para tanto, odeio ver mulher chorando, é horrível. Então, se me permite, eu tenho um compromisso, não posso me atrasar. Você deveria levar sua vida, sair com suas amigas. Eu ainda tenho carinho por você, então por favor...
Lívia levou um balde de água fria e com ele, vieram as lágrimas.
- Você não pode fazer isso, você me ama, eu sei que sim!
- Poderia amar, como amiga agora, mas você só tem me surpreendido com suas ações violentas e que não pensam um instante sequer no meu bem estar, no que eu estou sentindo com tudo isso! Você não quer saber o que isso tem me causado, então, não darei muita importância ao que você tem se causado.
- Não é possível, deve ser culpa daquela maldita Cora! Só pode ter sido ela, ela botou um feitiço em você!
- Não, Lívia. O que você não entendeu ainda é que você é a única e maior responsável pelas coisas que acontecem na sua vida, incluindo esta que está acontecendo agora. E a Cora, a Cora só soube olhar pro que você não viu, e pelo que parece, continua não vendo. Agora vamos parar por aqui, essa conversa não vai nos levar a lugar nenhum.
Lívia chorava, e num lapso tentoi jogar-se nos braços de Henrique.
- Não, Lívia! Não torne as coisas mais difíceis... Já passou da hora de partir!
Henrique abriu a porta para ela e saiu atrás.
- Tchau, Lívia. Cuide-se.
Ela não respondeu. Entrou no carro com uma bola de chumbo na garganta. E teve a mesma infeliz sensação que teve quando desligou o telefone. O pior era pensar que ele esteve ao seu lado o tempo todo, e ela não soube dar valor para ele.
Lívia ligou o carro e foi dirigindo sem direção. Quando se deu conta já estava na estrada. Ficou pensando que talvez fosse a hora de aceitar seus erros, perdoar a si mesma e seguir a estrada de sua vida. E com certeza, seria a melhor coisa que ela faria!

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