terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Choconhaque

Mordia os cantos das unhas sem esconder. Depois lembrou que detestava ver as pessoas com as mãos na boca e se corrigiu. Estava mesmo muito distante do que gostaria.
O dedo ainda úmido da saliva de segundos antes deslizou pela tela do celular, desbloqueou e viu ali. A tecnologia que entregava o descaso. "Mensagem Lida as 19:19".
Apertou o botão e bloqueou o aparelho novamente. Já passavam das onze e meia da noite.
E enquanto via a fumaça do choconhaque subir na atmosfera triste daquele bar, sentiu raiva antes de ter vontade de chorar.
Ele é só mais um cara bonito, Nina. Dizia isso todos os dias, há mais ou menos cinco dias consecutivos. Era o novo mantra pra se convencer e se blindar daquele feitiço maldito que a arrastava direto pro sorriso dele.
Um dia ia funcionar e a maldição estaria quebrada. Quem sabe da próxima vez que se vissem, e talvez isso demorasse um pouco pra acontecer, porque tudo parecia mais importante que ela, mas talvez ela pensasse apenas nisso e não sentisse mais o coração ansioso tentando arrebentar o peito dela pra se lançar e dizer "ei, cara, senti sua falta pra caralho!".
Nina riu. Riu de si por pensar num coração animado, se lançando no pescoço dele. Sorveu um gole do choconhaque com cuidado. Fez um barulho e ela se irritou. Detestava esses barulhos que as pessoas faziam com a boca pra beber coisas quentes. Inclusive ela própria.
Não podia esperar nada dele. Não sabia mais o que esperar dele. Ele sorria, a cumprimentava e aquele beijo no rosto dizia pra ela em todas as letras cortantes e ásperas "somos apenas amigos".
Mas se confundia tanto porque todos os dias ele lhe escrevia de manhã, logo nas primeiras horas do Sol nascente. E ela pensava no tamanho da prepotência dele em querer que ele fosse a primeira coisa que ela pensasse ou "visse" quando acordasse, como quem diz "talvez eu não me lembre de você, mas não se esqueça de mim".
Revoltou-se. E amassou o restante do biscoitinho de manteiga com o dedão.
Se fosse um homem assim, talvez ela gostasse de ter uma mulher como ela, linda, zelosa, preocupada e dedicada a perguntar todos os dias se ele estava vivo, se havia comido ou dizer que tudo vai ficar bem, só pra sabê-lo mais feliz com a dureza da rotina diária.
"Mas ele tem mãe, Nina! Ele tem mãe!" Gritava dentro de si com a mesma intensidade do auto-falante do cara da pamonha. Ecoava no coração, na mente e em todos os ossos dela.
Eu não quero ser a mãe, nem a irmã, nem a amiga. Nem aquele sorriso forçado de domingo de manhã de quem queria olhar pra ele e chorar, apontar o dedo na cara, dizer aquela história que lhe contei a primeira vez que saímos como naquele filme que a moça repete essa cena dizendo "não sei porque eu achei que com você seria diferente."
Estava vermelha de raiva. Sentia todo o sangue concentrado nas bochechas. Por conta do frio, do choconhaque e da raiva.
Daí lembrou do rosto dele. De como ele ficava lindo quando ela o via bem de perto, com a testa encostada na testa dele, respirando o ar que ele expirava, quase morrendo sem oxigênio puro, mas e daí. Era quase uma rosa no deserto sobrevivendo à tempestades de areia.
As esperanças desapareciam a medida que o choconhaque sumia da caneca. 
Em breves instantes, ela vomitava pelos olhos aquilo que tinha engolido da última vez que ele disse "a gente se fala."

Um comentário:

  1. cada um tem seu tempo é o que posso dizer neste momento...
    muitos amam, gostam, mas não se empenham, ficam ali parado naquela estação e se vc não for até lá, nada acontece, muitas vezes vc vai até lá, mas não é vista, tamanha a quantidade de pessoas e barulho que se encontram por lá.

    ou até é vista num breve momento, em que o outro está com um pé no trem, que apita, pois está de saída.

    Não sei o que este breve encontro quis ensinar.
    muitas vezes a arte imita a vida, e as pessoas representam na vida, o que fazem na arte.

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