quinta-feira, 7 de abril de 2011

Pele morta

Nunca me olhou bem de perto. Nunca pegou na minha mão com carinho.
Nunca sentiu meu cheiro por mais de cinco segundos.
Nunca encostou a cabeça no meu ombro.
Nunca me deu um abraço além da formalidade.
No entanto conseguimos brigar como um casal, conseguimos ter dores que pessoas que se gostam e estão juntas tem.
Conseguimos sonhar juntos, querer juntos e olhamos juntos pro mesmo lugar.
Mas nos reprimimos no seu labirinto e na minha confusão. Nos perdemos de nós mesmos nas palavras, afundamos naquele monte de histórias que nunca aconteceram e nem vão acontecer.
Naufragamos em lágrimas que jamais rolaram e sufocamos o que tentou existir e nascer do acaso. Mas não acredito em acaso.
Nunca disse na sua cara tudo que eu digo de outra maneira. Nunca tive raiva olhando pra você fixamente, porque nunca te olhei fixamente só por olhar.
Nunca apontei o dedo na sua cara. Nunca me disse todas essas coisas olhando nos meus olhos.
Volte para seu congelador. Volte para suas incertezas tão certas e me deixe aqui.
Volte pro sue lugar mais incerto que eu. Volte pro seu sorriso duvidoso e me deixa aqui antes que o meu olhar seja de pesar.
Volte e me deixe aqui, eu e minha pele morta.
Fria e intocada, sem impulsos, nem choques, sem calor.
Deixe minha pele morta gelar mais. Deixe seu coração se agoniar.
Deixe que os olhos se desviem, que nosso olhar não se encontre e que a gente se perca.
Volte pro seu lugar e não queira encostar na minha pele morta.
Deixe-me. A mim e minha pele morta. Cálida por mãos sinceras, gélida por erros e enganos.
Volte para seu banho longo e demorado. Volte para seus pensamentos de um ano atrás.
Esqueça a mim e a minha pele morta, coberta de vestidos de laços. Escondida por saias altas e rendas.
Não fique. Hesite. Continue. Se engane. Sofra por opção.
Eu e minha pele morta. Tatuada de esperanças, desejosa de sonhos concretos e fugida das mentalizações abstratas. De olhar petrificado, santíssima.
Volte para sua pele viva e deixe-me.
A mim e a minha pele morta.
Morta e tão viva.


Nenhum comentário:

Postar um comentário