domingo, 16 de setembro de 2012

O vestido de verão

A primavera estava chegando. Pensou que talvez devesse dar uma repaginada no seu guarda-roupa. Juntou um pouco de coragem e foi.
Ia tirando blusas, camisas, saias, vestidos até que se deparou com um. Sabe aquele vestido que foi tão especial um dia que a gente esconde ele no fundo do guarda roupa pra não ter que ficar olhando pra ele, todo dia depois que acorda? Pois é, Lívia havia achado esse vestido.
Tirou-o com cuidado, como de fosse um modelito raro e exclusivo de algum estilista famoso, quando na verdade era apenas um daqueles seus famosos vestidos de verão. Levinho, soltinho e de cor clara.
Sentou-se na cama, segurando-o com todo amor que sentia quando usava aquele vestido. 
Era março e ele fazia aniversário.
Presenteá-lo parecia muito difícil, pois quando se ama, o mundo não basta. Lívia amava-o, um amor-presente, desses que a gente não pede, não escolhe, ele simplesmente vem como um presente da vida, de Deus, de alguma coisa boa que você fez para merecê-lo. 
Pensou em mil coisas, ideias, mas ele, ele era tão diferente de tudo que já havia visto...
Lembrou-se das noites de março, quando apenas observava-o, atenta a uma composição e outra. Não ousava romper o silêncio. Aquelas partituras todas pareciam muito complicadas por si só.
Apenas uma vez, enquanto ele escrevia, ela lhe disse:
- Não é Libertango?
- É.
- Mas você escreveu Libertago. Faltou o N.
- Nossa, eu nem vi.
Ele sorriu atentamente, rasurou a partitura e explicou a ela o que era um Libertango.
Interrompeu seus próprios pensamentos, como alguém que vive sonhando e precisa despertar para a razão.
Tanto tempo, Meu Deus...
Os olhos de Lívia marejaram de imediato, como se aquele vestido, aquela simples peça de roupa fosse capaz de lhe trazer a tona um sentimento guardado, ocultado por ela, assim como ficou o pobre vestido de verão, escondido dela mesma, no fundo do armário.
Engoliu a emoção, como quem busca digerir o que se passa no coração. Levantou-se antes que a segunda lágrima caísse. Não se deu nem o trabalho de enxugá-las. Já já elas secariam.
Guardou todas as roupas e guardou o vestido, no fundo do armário, mais uma vez.
Questão de estratégia, preservação emocional, disse a si mesma. O vestido uma vez guardado, os sentimentos também ficariam no armário.
Fechou a porta com mais força do que costumava, na tentativa de esvanecer seus pensamentos, trancafiar qualquer lembrança dele que pudesse lhe abalar.
Mas, ah, Lívia... Que bom seria se pudéssemos guardar nossos sentimentos no fundo de um armário, que bom, que maravilhoso seria se bater a porta dele desse algum resultado dentro do coração confuso da gente não é mesmo?
Mas não é bem assim, Lívia...
Não é bem assim...

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