domingo, 19 de dezembro de 2010

Flores murchas

Elis entrou correndo, mais depressa que devia. Abriu a porta de sopetão. Aquela casa lhe parecia tão amável, ela queria morar lá.
Era tudo lindo e bem arrumado. Muito zelo, todos os móveis eram impecáveis. Perfeito!
Mas Elis já devia saber que nada é perfeito. E quando há perfeição demais é porque alguma coisa está errada.
Elis estava tão esbaforida com a casa que num primeiro momento não sentiu nem o odor que havia lá. Aquela casa era o que ela queria e ele tinha escolhido a melhor possível para que vivessem juntos. O que poderia dar errado?
Mas o feeling de Elis é uma coisa de outro mundo, muito aguçado. Um sexto sentido que vou te contar. Então Elis foi até a sala de visita e lá ela tomou o primeiro balde de água fria.
Flores murchas e velhas. Tão murchas que já estavam escuras e cheiravam mal. Tinham cheiro de fim.
Mas o que aquelas malditas flores ainda faziam lá?
Elis bufou, respirou fundo. A vontade que ela tinha era de jogar aquele maldito vaso com aquelas flores murchas na parede e depois pisotear todos os cacos e as pétalas envelhecidas e fétidas.
Mas não, se aquelas flores ainda estavam lá, fedendo é porque não quiseram tirá-las de lá. E foi isso que enraiveceu Elis. Ela andou pelo resto da casa e percebeu estava rodeada de flores murchas.
O sangue dela subiu. Ela desceu as escadas até a sala de visita. Viu aquele primeiro faso fatídico. Os olhos marejaram, com toda sua raiva ela pegou o vaso e o fez voar na parede e gritou alto:
- Por que?
Pisou nos cacos com toda força. O choro deixou sua saliva mais amarga e ela engoliu como uma pedra.
Estava tudo perfeito, estava tudo tão limpo e claro...
O céu azul de Elis se fechou num dia cinzento e triste.
Elis se deixou desfalecer no sofá. Largada, ela chorava com a decepção de si mesma. Deveria ter sido mais racional, deveria não ter entrado assim, nem ter combinado de juntar as escovas com ele. Não deveria ter dado seu coração assim, numa bandeja. Elis enfiou um peito na faca dele sem medir as consequências que isso traria. O peito dóia, o sangue descia pela blusa de Elis, mas edaí? O sorriso dele era tão mais bonito de perto.
Ele abriu a porta sorrindo, mas o sorriso durou uma fração de segundo quando ele viu aquela cena. Não! O que havia acontecido?
Aproximou-se com toda sua candura e seu cuidado angelical.
-Elis, o que houve?
Ela fechou os olhos e fingiu não vê-lo.
- Elis, fale comigo!- disse ele segurando no braço dele com carinho e preocupação.
- Sai daqui... - disse Elis baixinho.
- Elis, o que foi?
- SAI DAQUI!
- Calma, Elis, o que houve, por que esse vaso está quebrado? Você se machucou?
- Machuquei! Machuquei sim e bem feio ainda. Me machuquei quando acreditei no que os seus ternos olhos azuis me disseram! Machuquei quando entrei de cabeça nessa, porque acreditei que você era diferente! Machuquei quando lhe dei meu coração numa corda e você... Ah, não me olhe com esses olhos, você sabe do que eu estou falando! Essas malditas flores murchas, o que elas ainda fazem aqui? Porque você não me disse desde o começo que haviam flores murchas na sua casa? Por que você não me disse pra ir mais devagar, por que você deixou que eu me entregasse assim, por que você me trouxe aqui? Onde você quer chegar assim? Você não espera que eu conviva com as suas flores murchas e tudo que elas representam, não é? Por que você me trouxe aqui? Por que?
- Acalme-se, Elis, eu posso explicar. Eu lhe contei um dia sobre as flores, mas você sabe, não é assim, não posso sair pisoteando as pétalas e tacando os vasos na parede assim como você. Elas sairão... Eu as deixei aqui porque elas ainda são flores.
- São flores murchas! MURCHAS! Você está vendo alguma vida nelas? Por que se estiver eu deixo você aqui com seu cemitério de flores e vou embora de uma vez por todas! Não pode, porque você não quer! Você quer guardá-las, porque você se sente endividado com as suas malditas flores, mas elas estão murchas! Então quer saber, eu quebrei um vaso, mas tem uma casa toda delas pra você! Eu não vou conviver com elas, se elas não vão sair daqui, saio eu!
Elis levantou-se e ele segurou-a pelo braço.
- Não, Elis, não vá.
- Me solta!
Mas Elis era uma idiota e se lançou nos braços dele chorando.
- Você não devia ter me deixado entrar aqui com essas flores... Por que você deixou?
- Elis, eu não poderia ter segurado você, eu queria você aqui também, mas compreenda!
- Não, não dá! Eu posso até tentar entender, mas compreender já é demais! Se fosse o contrário?Você não sabe como é estar se sentindo numa corda bamba enquanto você me diz que o chão é firme. Eu não posso viver assim...
Elis pegou sua bolsa, suas sacolas cheias de coisinhas pra enfeitar a ex casa nova, ignorou as tentativas dele de explicação e diálogo. Elis era impulsiva e era assim que ela agiria.
Antes de entrar no carro ela virou -se pra ele:
- Não volto pra essa casa nem pra sua vida enquanto essas malditas flores e esses vasos cafonas não estiverem no lugar deles: no lixo! Mas se você quiser ficar aí com elas, passar bem! Se você decidir assim, lembre-se de me mandar uma coroa de flores vivas porque eu morri pra você! Fique aí, devendo pra suas flores malditas! A escolha é sua! E eu não estou pressionando nada, só acho justo eu ter o direito de me manifestar sobre as suas flores mortas, pelo menos!
Ele não disse nada e antes que dissesse, Elis entrou no carro e saiu.
Flores murchas? Não na mesma casa que Elis!




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