sexta-feira, 18 de março de 2011

Entorpecência

Ela tinha os cabelos metade presos e metade soltos. A fita bordô contrastava com a tonalidade trigo de suas madeixas.
Os olhos pintados sem exagero e as bochechas levemente vermelhas, culpa de dois cálices de um vinho tinto que haviam lhe servido.
Haviam muitas pessoas bonitas naquele lugar, mas aos olhos dela todos pareciam iguais.
Todo mês seu pai fazia essas pequenas reuniões e convidava os notáveis para a degustação do resultado de suas imensas vinhas. E nessas reuniões sempre vinham os 'bons partidos' como sua tia costumava dizer. Mas ela sorria sempre um sorriso gélido para todos aqueles babacas e suas espadas enfeitando ainda mais sua covardia.
Não, aqueles não seriam bons partidos para ela.
Queria mais que um rosto bonito e uma bela casa em Paris. Queria mais que jóias, roupas e uma casa nos campos de Vergy.
Queria alguém com quem pudesse conversar e que ao mesmo tempo a pudesse compreender pelo olhar. Queria olhos profundos e um sorriso enternecedor. Queria se apaixonar por alguém que estivesse fora dos livros que ela tanto lia.
Mas as pessoas reais eram tão mornas ou tão excessivas que ela se cansava.
Levantou-se, fitou o salão com os olhos. Naquele dia, especialmente, ela sentia que tinha que seus olhos estavam procurando alguém.
Andou, sorriu um ou dois sorrisos forjados e parou próxima a porta.
Olhou de novo pelo salão. Virou-se para ir ao jardim, mas de repente virou-se novamente para o salão. Quem era aquele que puxou seu olhar como um imã?
Franziu a cara pra poder ver melhor quem era ele, e parou.
Como não o tinha visto entrar? Como aquela beleza e aquele rosto tão vivo não haviam lhe chamado a atenção antes.
Deveria estar tão preocupada em condenar todos ali com seu olhar, que se perdeu dele por instantes. Mas felizmente ela o havia achado.
Quem era ele? Naquela reunião íntima de seu pai e notáveis da França, ele não deveria ser alguém muito distante.
Ela decidiu se aproximar para vê-lo melhor. Andou delicadamente, fingindo não se importar com nada. Mas a cada passo que ela dava seu coração disparava.
Deus, quem era ele?
De repente ele também franziu a sombrancelha e olhava para ela. Ela tentou resistir aqueles olhos, mas eles a olhavam com tanta profundidade que por um momento sentiu-se despida.
Aproximou-se. Ele sorriu.
- Por Deus, não posso acreditar que é você!
- Nem eu! - ela abriu um imenso sorriso.
E nenhum dos dois acreditava que estavam ali. Mal se falavam antes, mas naquela noite fatídica de março, onde todos já estavam embriagados, eles encontraram a entorpecência nos olhos um do outro. E nada podia tirá-los daquele estado sublime de encontro inesperado.
Depois daqueles segundos encantados teriam muito que conversar. E se olhar...

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