segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Chá na geladeira

Sentou-se no banquinho de madeira tosca enquanto aguardava a água borbulhar. Pensou consigo mesma que talvez estivesse calor demais para beber chá, mas poderia colocá-lo na geladeira, caso a aparência do vapor saindo da xícara trouxesse desconforto.
Olhando para um ponto fixo, mas aquele olhar que nada vê, refletia sobre os últimos acontecimentos de sua vida.
Havia lido em algum site de astrologia barata que esse confronto entre os tempos era algo comum nesse momento em que estava vivendo e que algum planeta na direção de Júpiter podia ser a causa da merda toda.
Suspirou profundamente. Daqueles suspiros que buscam dentro de si a resposta para nenhuma pergunta concreta, mas que insistia em lhe trazer reflexões o tempo todo.
Lembrou-se de Maurício e de como haviam conseguido viver a moda antiga naquele carnaval numa época onde os olhares são dispensados pelos amantes e os beijos vem fáceis como confetes e serpentinas.
Lembrou-se de quando tudo parecia escuro, ela o viu, de óculos escuros e arrependeu-se por ter saído de casa tão desarrumada. Buscou-o entre a multidão e quisessem os astros ou não ele também a buscava com o olhar. Acharam-se e perderam-se inúmeras vezes.
E assim passaram, até a quarta feira de cinzas. Apenas nos olhares e sorrisos. Ah, quantos sorrisos! E depois veio o bilhete, a conversa, a voz. Tudo foi tão como antigamente que pareciam ter voltado anos no passado, onde cortejar era comum e o simples tocar nas mãos significava muito. Ela era uma fada e ele um pirata. Quase como Peter Pan.
Lembrou-se da mãe dele, dos irmãos, da família, do suco de laranja aos litros, do bolinho de bacalhau, da Páscoa e por fim, do fim.
Sentiu calor, olhou para o fogo, a água já fervia.
Levantou-se e fez o chá. Hortelã para acalmar os nervos, já dizia Leonel, o primo solteirão, entendedor de ervas, plantas e propriedades medicinais até da grama do jardim.
Riu-se de Leonel. Riu de si mesma. O chá estava mesmo muito quente. Foi para geladeira.
E num paradoxo da vida, ficou pensando que os sentimentos poderiam ser como o chá, que quando queimam demais, a gente poderia por na geladeira e então, tudo ficaria mais fácil.
Mas não era assim, ela bem o sabia. Sacudiu a cabeça como quem tenta afastar os pensamentos, tentando manter longe o carnaval, Maurício, o passado, o futuro, os cães, o vento, o tempo, o se e o seria.
Já passava das onze e amanhã tinha que trabalhar. O mais importante, disse o site de astrologia barata, era pensar no presente. E na falta de orientação melhor, era isso o que ela faria.



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