segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Ladainha

Mariam chegou chutando tudo, jogando bolsas, cadernos e o coração. Que tinha feito para merecer tal sorte? Devia ter sido algo muito sério.
Com raiva, duas lágrimas saltaram de seus olhos, uma após a outra. Um protesto da alma fragilizada, dolorida há tantos anos, sem razão nem porque.
Chorou de raiva, de saudade, de angústia, de desespero. Tudo podia ter sido mais fácil, teve quase cinco anos para esquecê-lo, motivos mil e por que, Santa Mãe, ele parecia mais vivo que nunca naquele coração maltratado que Mariam carregava no peito?
"O tempo cura os amores mal amados", disseram-lhe. Mas que grande besteira! O tempo era o maior canastrão, mentiroso e ardiloso. Enganara-a, pensou. Porque acreditava-se imune aquele amor sonoro e bem-vindo como um musical de outros tempos. Estava curada, tinha certeza. Ele poderia aparecer-lhe com flores mil, girassóis ou tulipas, rosas ou estrelas nas mãos. Ela não o amava, dizia para si. Mas que grande e bela patacoada, pensou engolindo três lágrimas arrependidas. Ele sempre esteve ali. Foi o próprio coração de Mariam que, numa fuga insana de si mesmo o havia escondido muito bem.
Que sina, ela pensava consigo, enquanto retorcia os nós na garganta, buscando afogar o monte de sentimentos que lhe afloravam a todo instante, enquanto Oswaldo Montenegro cantava musicas do ex amor.
Por que trazê-lo a tona, são mais de seis bilhões de pessoas no mundo, pensava consigo, por que ele, por que Jorge?
Olhou para São Jorge na parede, pedindo um alento do bravo guerreiro dos cristãos.
Fechou os olhos e rezou. Era a única coisa que conseguia fazer naquele instante. Pediu pra Deus arrancar aquele amor do peito dela, que ele deixasse seus pensamentos, que ela pudesse respirar em paz.
Mas quanto mais ela pedia, mais vivo Miguel se fazia nos pensamentos dela. Via-o sorrir, enquanto pedia pra Santa Maria proteger-lhe o coração. Via-o cantando enquanto orava pra São Jorge resguardá-la da decepção. Encontrava-se no abraço dele enquanto murmurava a última prece que conhecia.
Miguel era um anjo. Que culpa tinha ela?
Não tinha como não amá-lo. Não tinha como não querê-lo. Era doce, amoroso, digno daquele amor que Mariam lhe confiara.
Podia condená-lo pelo descaso dos últimos dias, podia condená-lo por não amá-la, mas que culpa tem os corações?
Fechou os olhos, como quem busca desaparecer.
Abriu e viu um denso nevoeiro de lágrimas.
A mesma ladainha, depois de tantos anos, a mesma ladainha...


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